Acredito que se pedirem para o
Tailor Diniz escrever uma história sobre o mais inusitado dos temas (Incas venusianos, escravas brancas na Malásia, senhores de engenho no Recife colonial, pistoleiros de Laredo em crise existencial ou monges tibetanos em férias no Caribe) ele vai se sair bem. O cara sabe contar uma história. Claro, as que ele realmente escreveu são bem menos amalucadas das que sugeri acima. No caso desse "
Em linha reta", último livro dele publicado, somos apresentados a algo que mescla o clima das histórias de mistério, de detetives, com o fantástico, numa espécie de flerte com o realismo mágico. Na verdade esse formato aparente do livro mascara um tanto o que eu acredito ser a verdadeira preocupação dele: explorar a hipocrisia de nossos tempos ou, ao menos, aquele comportamento muito em moda atualmente em que todos nós brasileiros parecem cobrar algum respeito as regras e ao poder estabelecido enquanto simultaneamente nos imaginamos cada um o primeiro a merecer alguma espécie de exceção ou isenção às mesmas regras (o Brasil nunca foi para amadores, mas ultimamente a coisa parece ter se complicado mais). Porque digo isso? Primeiro porque o título do livro lembra um poema de Fernando Pessoa em que ele abusa da ironia ao fazer crítica social e explicitar os problemas de seu tempo (Pessoa pergunta: "
Então sou só eu que é vil e errôneo nesta terra?"). Em segundo lugar por conta de em seu romance anterior, "
A superfície da sombra", Tailor já ter trabalhado com o tema das fronteiras. Naquele caso havia uma fronteira geográfica, entre o Rio Grande do Sul e o Uruguay, mas também sinais de uma fronteira entre sonho e delírio (lembro-me de ter associado seu livro a
Traumnovelle, de Arthur Schnitzler), agora é essa fronteira menos objetiva que domina completamente o livro. Em terceiro e último lugar porque a narrativa de Tailor acaba provocando o leitor a entender se aquilo que se acaba de ler é na verdade uma alegoria, um sonho, o produto da mente de alguém que passou por uma violência indizível, absurda, e que plasma seu sofrimento com elementos menos agressivos de sua memória afetiva: a música, a tecnologia, o churrasco, os cavalos, a literatura, ou se trata da realidade objetiva - porém kafkiana, como sempre acontece - experimentada por alguém. Li em algum lugar que Tailor imaginou estes dois últimos romances como partes de um tríptico. Assim sendo:
ojo!, haverá um terceiro livro onde estas questões deverão ser retomadas. É só termos paciência e esperar don Tailor nos presentear com mais um de seus bons livros.
Nota bene: Perdi o lançamento em Porto Alegre no final de maio mas não perderei a
próxima chance de conseguir uns minutos de prosa com ele sobre esse seu
livro. Principalmente porque penso agora que a acepção correta seja pensar em "fronteira" como a
margem do mundo habitável e não o limite de um mundo em relação ao outro (que merecem leis e tratamentos diferentes), mas essa é
outra história e eu sou o menor dos anões desta paróquia) . Vamos a ver.
[início: 12/05/2014 - fim: 13/05/2014]
"Em linha reta", Tailor Diniz, São Paulo: Editora Grua, 1a. edição (2014), brochura 14x21 cm., 127 págs., ISBN: 978-85-61578-32-9