Nesse pequeno livro Jaime Ginzburg convida à reflexão sobre as relações entre violência e cultura. A primeira ambição é estimular estudantes e professores, sobretudo de letras e ciências humanas, que atuem ou não nos vários níveis de redes de ensino, a debaterem de forma sistemática, qualificada e coerente a violência na sociedade brasileira contemporânea. Não se trata de um texto esgotador, antes é uma série de provocações, exercícios de abordagem sobre o tema. Como um paleontólogo da alma humana ele utiliza a literatura para prospectar registros de atitudes e práticas violentas da sociedade, exemplificando, através tanto de narrativas ficcionais quanto ensaios críticos, como opera a tolerância humana à violência institucionalizada. Nos curtos capítulos em que é dividido o livro ("literatura e violência"; "morte e melancolia"; "o mal-estar da literatura"; "tempos sombrios") Jaime faz uso de diferentes ferramentas de interpretação (grosso modo, associados a cada capítulo: a teoria literária; a filosofia; a psicologia; a sociologia). Entretanto, essas complexas ferramentas de análise não contaminam o livro pois o tratamento que Jaime imprime ao texto o torna muito acessível, sem jargões, fazendo-o fácil de ler. Ao citar José de Alencar e Machado de Assis, Guimarães Rosa e Caio Fernando Abreu, Hilda Hilst e Raduan Nassar, Shakespere e Borges, bem como quando contrapõe Freud, Marx e Nietzsche à Descartes, Jaime nos lembra que a realidade do mundo e a realidade das obras literárias somente encontram similitude quando entendemos muito bem tanto o mundo quanto as obras literárias. E, se é que eu entendi bem, que no caso específico da violência apesar de nossa incompreensão sobre sua realidade ainda ser grande demais, a experiência da leitura, da literatura, nos capacita a entendê-la melhor, ou seja, através das representações literárias da violência aprendemos como nos contrapor a ela, individual e coletivamente. Conheço o Jaime e sei o quanto ele é otimista da capacidade humana de entender melhor seu mundo e transformá-lo (sempre na direção de sociedades mais justas, por suposto). Mas não posso deixar de registrar que eu, quando se trata de pensar a violência, continuo um tanto mais cínico e pessimista. Sinto-me como Frederick, aquele personagem do Woody Allen interpretado por Max von Sydow no filme "Hannah e suas irmãs", que dizia "You missed a very dull TV show on Auschwitz. More gruesome film clips, and more puzzled intellectuals declaring their mystification over the systematic murder of millions. The reason they can never answer the question "How could it possibly happen?" is that it's the wrong question. Given what people are, the question is "Why doesn't it happen more often?". Bobagem minha. O mundo certamente merece que temas complexos recebam mais olhares generosos e seminais como esse de Jaime Ginzburg. Parabéns meu caro, belo livro.
[início: 10/10/2015 - fim: 12/10/2015]
"Literatura, violência e melancolia", Jaime Ginzburg, Campinas: Editora Autores Associados (Coleção Ensaios e Letras), 1a. edição (2013) brochura 14x19 cm., 116 págs., ISBN: 978-85-7496-256-6