quinta-feira, 21 de fevereiro de 2013

o professor do desejo

Esse é o primeiro livro de Philip Roth que leio após saber que ele não voltará a escrever. "O professor do desejo" é antigo, de 1977. David Kepesh, o protagonista da história, já havia sido apresentado por Roth em um livro de 1972 ("O seio") e voltaria a aparecer no "Animal agonizante", de 2001. A história é bem interessante, mas dividida de forma convencional (comparada com os deslocamentos temporais de outros romances dele). O primeiro capítulo do romance é vertiginoso, elétrico. No início somos apresentados ao jovem Kepesh, filho estudioso de pais de judeus de classe média, proprietários de um hotel que só funciona no verão. Ele entra em uma universidade e apesar de hipersexualizado não consegue consumar satisfatoriamente uma relação sexual que seja com suas colegas. Por outro lado faz amizade com um colega (que é homossexual e foge do recrutamento militar obrigatório). O entendimento dele da complexa sociedade americana dos anos 1950 ganha novos matizes. Kepesh ganha uma (cobiçada) bolsa da fundação Fulbright e viaja para estudar na Europa. Lá ele se envolve com duas garotas suecas (Birgitta e Elisabeth) e experimenta jogos progressivamente lascivos, quase perversos. Em algum momento ele se separa de Birgitta e viaja com Elisabeth pelo continente europeu, chegando até Veneza. Rompe também com Elisabeth e volta aos Estados Unidos. Se casa com uma garota branca e protestante chamada Helen, que viveu (praticamente) como escrava sexual de um grande banqueiro americano em Hong Kong. Kepeseh vive modestamente como professor universitário na costa oeste e sua vida de casado torna-se rapidamente um inferno. Suas aulas (basicamente sobre os contos e peças de Tchekhov) são entediantes. Helen tenta voltar a seus dias de juventude lúbrica no extremo oriente mas é presa. Kepesh usa alguma influência para tirá-la da prisão e volta com ela para casa. Roth conta tudo isso em 80-90 páginas, um autor mais modesto pararia por aí. Mas é a partir daí que surge uma história realmente potente: a de como Kepesh se divorcia, muda para a costa leste dos Estados Unidos, faz psicanálise, atravessa anos de bloqueio sexual, experiencia a morte da mãe e a aposentadoria do pai, conhece melhor as nuances de caráter de um colega de trabalho e de seu ex-orientador e sua mulher (a troca de cartas entre Kepesh e essa mulher é muito divertida, principalmente pela solução prática proposta pelo psicólogo de Kepesh para encerrar a questão). Sentindo-se curado da "ressaca" pós-divórcio com Helen, Kepesh conhece Claire, uma jovem e ambiciosa professora do nível médio, viaja ao norte da Itália e ao leste europeu com ela. Apesar de algo exasperado com as manias de organização de Claire (e com a inevitável comparação desta com sua primeira viagem acompanhado de uma namorada pela Europa) Kepesh tem bons insights sobre o início do semestre letivo. Ele imagina que seus cursos de literatura (principalmente sobre Flaubert e Kafka) poderiam ser contextualizados à sua própria experiência sexual (ele pretende incentivar os alunos a comentarem a vida sexual deles a partir da leitura dos livros destes autores). Na última noite européia ele sonha com uma prostituta que teria sido amante de Kafka. Sonho muito divertido. Já no capítulo final encontramos Kepesh vivendo com Claire em uma casa no subúrbio, afastados de Nova York apesar de continuarem com suas atividades didáticas (e sem estarem casados, ainda receosos de abandonarem a liberdade da vida de solteiro). Num dia Kepesh tem uma série de epifanias esclarecedoras, na forma de uma conversa (com Claire, que confessa ter feito um aborto - sem consultá-lo), de uma visita inesperada (de Helen, que basicamente quer apresentar a ele seu atual marido e comunicar sua gravidez) e de uma visita planejada (de seu pai e um amigo, sobrevivente dos campos de concentração). Estas três momentos fazem com que Kepesh confesse que sua inteligência não o capacita para entender as cousas da vida prática, o comportamento daqueles que ama e que estão perto dele. Há muito sobre o quê pensar ao ler esse livro: do quanto a literatura não substitui a vida; do quanto ser professor de algo pode apenas nos fazer constatar que seremos sempre aprendizes naquele ofício; das vantagens - por vezes até dúbias - de se alcançar uma boa educação; de como o amor só acontece mesmo por acaso; de como a vida carece de sentido afinal de contas. Os grandes temas de Roth estão todos no livro: psicanálise, amor e sexo, judaísmo. Sua forma de ver e analisar o modo de vida americano de seu tempo é mesmo arguta, exuberante, certeira. Esta tradução optou por verter "The professor of desire" por "O professor do desejo". A primeira tradução para o português (assinada por Mendonça Taylor) opta por "O professor de desejo". Não sei o motivo da escolha (os caminhos das traduções são labirínticos), mas, se é que eu entendi bem, Kepesh planeja criar um curso de desejo (Desire 341, na nomeclatura dos cursos nas universidades americanas), planeja transformar suas aulas em um laboratório onde professor e alunos farão leituras sexualizadas de textos literários. Assim, digo eu, o menor dos anões desta província, que "de desejo" talvez seja uma acepção mais próxima do que há de factual no livro, todavia Jorio Dauster (que é um sujeito muito articulado e tradutor experimentado, deve ter uma explicação válida para sua proposta "do desejo"). Bom livro, com certeza. E vamos em frente.
[início - fim: 09/02/2013]
"O professor do desejo", Philip Roth, tradução de Jorio Dauster, São Paulo: editora Companhia das Letras, 1a. edição (2012), brochura 14x21cm., 251 págs. ISBN: 978-85-359-2213-4 [edição original: The professor of desire (New York: Farrar, Straus e Giroux) 1977]

Nenhum comentário: