sábado, 16 de maio de 2015

la bestia del corazón

Você precisa estar de bom humor, de bem com a vida, quando escolhe ler um livro de Herta Müller. A mulher é implacável. Expõe sem piedade o horror e a miséria, a violência e a loucura que pode acometer todo um povo, toda uma geração de homens e mulheres. A Romênia sob a ditadura comunista é uma prisão coletiva. As pessoas parecem ter uma vida normal, pois estudam, trabalham, procuram amigos, fazem sexo, têm filhos, nascem e morrem como em qualquer outro lugar do mundo. Entretanto, nesses e demais atos da vida é o estado policial quem comanda, quem controla, quem exige e escolhe, quem decide e manda. Nos demais livros dela que li também é assim. O leitor fica engasgado, em transe, do começo ao fim do livro. Herta descreve como funciona a engrenagem de perseguição em uma ditadura. Em "La bestia del corazón" a narradora, nunca nominada, tem três amigos: Edgar, Georg e Kurt. Eles frequentam a universidade na mesma época (uma quinta amiga, Lola, não suporta o controle opressivo do alojamento estudantil nem a certeza de uma vida medíocre e se suicida). Formados, os quatro amigos passam a trabalhar para o Estado (o único empregador em uma ditadura comunista). Não há inovação, incentivo a criatividade e alegrias no trabalho. Os quatro continuam se correspondendo e eventualmente viajando nos finais de semana para se encontrar. Como se recusam a entrar para o partido e solicitam permissão para emigrarem para a Alemanha passam a ser torturados psicologicamente através de interrogatórios, interceptação de cartas, ameaças explícitas, acusações falsas. Um capitão, Pjele, é o encarregado desse ofício. Todas as demais relações de amizade dos quatro personagens são falsas, pois praticamente todos os cidadãos trabalham para o estado como espiões, delatores, agentes. A corrupção é endêmica. O livro começa e termina com as mesmas frases, que definem o livro: "Quando calamos nos tornamos desagradáveis. Quando falamos nos tornamos ridículos". Os amigos devem se calar para não se comprometerem, não se traírem, não dar pretexto ao Estado para destruí-los definitivamente. Ao mesmo tempo os amigos devem falar para não se esquecerem das coisas boas, daquilo que os une, de seus planos, mas tudo isso soa ridículo quando é ouvido, pois sabem o quão irrealizáveis são aqueles sonhos). Não me cabe escrever aqui o destino de cada um dos personagens e estragar o prazer de um eventual leitor. Trata-se de um bom romance, que merece ser lido. Existe uma tradução brasileira dele, intitulada "Fera d'Alma". Retrospectivamente é difícil acreditar que uma ditadura ensandecida e cruel como a de Ceausescu tenha durado tanto tempo (claro, esquecemos, talvez por economia emocional e psíquica que um assassino como Fidel Castro está no poder há quase sessenta anos; que na Coréia do Norte e na Venezuela loucos manipulam e controlam a população; que milhões morreram pelas idéias ridículas de Josef Stálin, Mao Tsé-Tung, Pol Pot e tantos outros; que as "bestas do coração": o ódio e a maldade, são próprios do homem). E pensar que no Brasil ainda há canalhas dispostos a abraçar a criminosa estupidez do comunismo revolucionário, submeter-se a escravidão mental do fascismo mais podre e corrupto. Argh!
[início: 01/03/2015 - fim: 30/04/2015]
"La bestia del corazón", Herta Müller, tradução de Bettina Blanch Tyroller, Madrid: Ediciones Siruela (coleccíon Nuevos Tiempos), 1a. edição (2009), brochura 14x21 cm., 195 págs., ISBN: 978-84-9841-373-1 [edição original: Herztier (Berlin: Rowohlt Verlag) 1993]

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