sábado, 28 de janeiro de 2017

as ilhas gregas

Publicado em 1978, mas reunindo textos que começaram a ser escritos ao final da segunda grande guerra, em 1945, "As ilhas gregas" foi originalmente concebido como um livro de viagens, um guia turístico, uma homenagem ao sol e ao mar gregos. A massificação do turismo e os quarenta anos de publicação certamente tiram do livro sua funcionalidade como guia, mas não o impacto nos sentidos, o doce encantamento, o fluxo sedutor de imagens e histórias criadas por Lawrence Durrell. Lê-se esse livro com calma, ou seja, com aquilo que definia a arte de viajar pelo menos até a primeira metade do século passado, bem mais uma experiência transformadora, de reflexão e aprendizado que a espécie de gincana que fazemos hoje em dia. Durrell viveu muitos anos na Grécia, sobretudo em Corfu, Rodes e Chipre (que hoje não é uma ilha grega, mas um estado independente). Ele pegava carona em barcos de cabotagem, cruzava a pé as ilhas mais remotas, dormia sob as estrelas e ao redor do fogo, como muitos dos heróis da Ilíada fizeram antes dele. Seu livro não faz o censo das quase duas mil ilhas gregas, mas se arrisca em contar a história e geografia dos conjuntos mais icônicos delas (as Jônicas, como Corfu e Paxos; as do mar Egeu, como Creta e Lesbos; as Espórades, como Rodes e Samos; as Cíclades, como Naxos e Mykonos e as Sarônicas, como Salamina e Spetses). Sua narrativa inclui digressões pela mitologia, linguagem, folclore, arte, causos pitorescos, filosofia, botânica, histórias de bar e de pescadores, reflexões sociológicas e políticas. Quem já leu o conjunto de volumes reunidos em "O quarteto de Alexandria" sabe o quão hábil Durrell sabe ser. Suas histórias ora são divertidas, ora líricas, alcançam emocionar o leitor e também instruí-lo. O tom das histórias lembra as de um outro grande escritor, o catalão Josep Pla, que também sabe contar o que vê quanto está longe de sua terra e deixa o leitor, debaixo de sua má estrela, invejoso do destino e das escolhas do viajante (como já nos ensinou Auden). Durrell é especialmente inventivo quando fala da arquitetura dos portos (em seu tempo vivido nas ilhas as travessias eram todas feitas em pequenos barcos à vapor); das técnicas de navegação, de coleta de esponjas e da pesca; descreve os templos em ruínas e as conversas com os lunáticos dos pequenos vilarejos (sempre os interlocutores mais fidedignos); interpõe às antigas lendas e mitos gregos a rotina e hábitos contemporâneos dos indivíduos com quem interage. Certamente aquelas ilhas não existem mais da forma que Durrell as viu, mas o que importa? A experiência de cada um que viaja e vê é a única que vale. Já é tempo, vamos em frente.
[início: 15/12/2016 - fim: 22/12/2016]
"As ilhas gregas", Lawrence Durrell, tradução de Carlos Leite, Lisboa: Relógio D'Água editores, 1a. edição (2016), brochura 13x20 cm., 331 págs., ISBN: 978-989-641-644-7 [edição original: The Greek Islands (London: Faber and Faber) 1978]

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