domingo, 5 de agosto de 2018

andarilhos

Assim que terminei o bom "Noite escura", procurei esse outro volume de Rodrigo Tavares, um romance que ele publicou no ano passado, "Andarilhos". O cenário é o mesmo, a fronteira difusa entre o Rio Grande do Sul e o Uruguai, mas o período histórico é diferente. Desta vez somos apresentados a personagens que vivem seus sucessos no início do século passado, num mundo à parte, imune as circunstâncias do país e do mundo, com regras de conduta bem particulares, hábitos devidamente entranhados e indiscutíveis. Tavares conta a história da rivalidade entre dois sujeitos, o domador de cavalos Pedro Guarany e o tropeiro João Fóia. Se o ambiente do pampa gaúcho lembra as pradarias dos westerns, onde homens fortes forjam o seu destino à força bruta, como nos filmes de John Ford, a desavença entre os dois homens ecoa os muito mitos gregos associados ao fatalismo das cousas, ao acaso, as maldições familiares, a hybris. Todos são andarilhos no campo gaúcho, mas Tavares se interessa mesmo pelo destino de seus dois protagonistas e de um curioso francês, Alphonse Saint Dominguet, um escritor que deambula fazendo registros do mundo físico e dos costumes da gente que habita aquele exótico lugar (ele chega inclusive a visitar o famoso Castelo de Pedras Altas, lugar onde um diplomata chamado Assis Brasil implantou, ainda no início do século passado, modernas técnicas agrícolas e de manejo animal). Saint Dominguet também funciona como um provável alter ego do autor, espionando o destino de seus protagonistas. Os andarilhos do livro são também duplos, pessoas que passaram por alguma metamorfose em suas vidas, foram obrigados a se reinventar, encarnar novas personas. O livro é muito bem escrito, incorporando o registro das formas de comunicação que fogem um bocado da norma culta, ou seja, da linguagem como é de fato praticada por gaúchos do Rio Grande e do Uruguai, indistintamente, até hoje. Claro, um leitor de fora do Rio Grande do Sul vai perder uma ou outra informação, mas nada que um pouco de esforço não resolva. Livro invernal, para ser lido tomando mate, próximo a um fogo de chão, sentindo a brisa de um ríspido minuano no rosto. Vamos a ver o que o Tavares engendrará no futuro. Vale! 
Registro #1302 (romance #345) 
[início: 02/07/2018 - fim: 03/07/2018] 
"Andarilhos", Rodrigo Ungaretti Tavares, Porto Alegre: Martins Livreiro Editora, 1a. edição (2017), brochura 14x21 cm., 202 págs., ISBN: 978-85-7537-256-2

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