sábado, 18 de agosto de 2018

viagem ao volga

Resolvi registrar este volume como um livro de arte, mas poderia incluí-lo aqui como um livro de memórias, ou um relato de viagens, ou de crônicas. Mas o pequeno milagre que é sua existência merece alça-lo ao status de uma peça artística. Trata-se de um curto relato, coisa de 70 páginas, produzido por um árabe que viveu no início do século X, chamado Ahmad Ibn Fadlan, dando conta dos sucessos que viveu em uma viagem de 4000 Km, de Bagdá a uma região próxima a confluência dos rios Volga e Kama, antigamente o reino dos búlgaros do Volga, hoje território russo. Em algum momento o manuscrito original de sua viagem perdeu-se e apenas fragmentos dele eram conhecidos, como parte de um dicionário geográfico do século XIX. Posteriormente, no início do século XX, a versão atualmente conhecida, ainda incompleta, foi descoberta em uma biblioteca iraniana e editada em livro. Ibn Fadlan integrou uma comitiva oficial enviada por um califa islâmico - líder máximo da religião - rumo a Bulgária do Volga. O objetivo da viagem era responder o pedido de ajuda do rei eslavo de lá, recém convertido ao Islã, para a construção de uma mesquita e de um forte. Seus inimigos são os khazares, povo de origem turca convertido ao judaísmo que dominou extensas regiões entre o Mar Cáspio e o Mar Negro. Responsável pela entrega de presentes do califa ao rei e a produção de registros da viagem, Ibn Fadlan narra não apenas as tratativas oficiais, os ritos diplomáticos de passagem pelas fronteiras serpeantes daqueles dias, mas também muito sobre a natureza e os hábitos culturais dos diferentes povos que encontrou. Tudo o que lhe espantou foi registrado, de sorte que o livro não parece ser aos especialistas exatamente um documento oficial, para fins diplomáticos. Bom observador e refinado diplomata ele é capaz se expressar com clareza e objetividade, não fazendo uso de atalhos retóricos que inevitavelmente redundariam em relatos fantásticos ou de cunho mitológico. O comentários mais interessantes são sobre um povo que ele chama de Rus', que os especialistas associam ou aos russos primitivos ou aos vikings. As descrições dos habitos de higiene e do funeral de um líder deste povo são terríveis. A versão romantizada e lírica dos funerais vikings não guarda nada da força do relato de Ibn Fadlan, detalhista da série de estupros, torturas, matança e destruição que acompanhavam o rito. Muito interessante também é o relato sobre o que podemos entender hoje como aurora boreal, muito embora a latitude daquela região não seja tão alta para que esse fenômeno fosse visível facilmente. A edição é bilingüe e a tradução, diretamente do árabe, é assinada por Pedro Martins Criado. A capa é muito bonita, produzida por uma técnica (hot stamping holográfico) que produz reflexão da luz incidente sobre ela em uma miríade de cores. O leitor pode ter uma ideia desse efeito no site da gráfica responsavel pela publicação (clica aqui: hot stamping holográfico, Ipsis Gráfica). O livro inclui ainda mapas, uma breve cronologia do islamismo e uma apresentação, também assinada por Pedro Criado. Vale! 
Registro #1311 (livro de arte #25) 
[início: 12/08/2018 - fim: 13/08/2018]
"Viagem ao Volga: Relato do enviado de um califa ao rei dos eslavos", Ahmad Ibn Fadlan, tradução de Pedro Martins Criado, ilustrações de Bruno Algarve, São Paulo: Editora Carambaia, 1a. edição (2018), capa-dura 12,5x21 cm., 144 págs., ISBN: 978-85-69002-40-6 [edição original: Risalat Ibn Fadlan, (Bagdá) 921-922 d.C.]

Um comentário:

Paulo Rafael disse...

Que livrinho curiosíssimo!!