segunda-feira, 11 de fevereiro de 2008

second son

Conheci o Ian por conta de um feliz acaso relacionado ao Joyce, sempre ele. Estávamos em uma reunião onde ele fez uma curta mas bastante correta apresentação sobre um trecho do Finnegans Wake. Logo após o encerramento pedi a ele o livro de referência que ele havia utilizado (lance arriscado) mas ele emprestou na hora, sem se preocupar muito com o fato de ali eu ser um completo desconhecido (cabe o registro de que eu devolvi o livro!!). Grande sujeito. Anos depois fiquei sabendo que ele havia escrito uma novela e talvez conseguisse sua publicação. Na última vez que nos encontramos o Roberto Cataldo nos disse que havia encomendado e recebido o livro, então resolvi arriscar também e em não mais que três semanas o livro atravessou o mundo e chegou a minhas mãos (a editora dele é australiana, aliás como ele próprio, cabe também dizer). "Second Son" é uma curta novela onde o narrador é o Judas bíblico conhecido em verso e prosa. São onze curtos capítulos que se não correspondem exatamente a um evangelho seguem em tom algo sarcástico algumas das passagens mais conhecidas da saga de Jesus, do nascimento à morte. Li em um final de semana inspirado. É de fato muito bem escrita, gostosa mesmo de ler. Talvez alguém não muito familiarizado com textos bíblicos perca uma passagem ou outra, mas o tema é conhecido demais para provocar estranhamentos definitivos. A idéia básica de Ian foi dar voz a Judas, o irmão imediatamente seguinte à Jesus. Em "Second Son" Judas é descrito como o tipo de sujeito que serve continuamente de referência para alguém mais articulado verbalmente. Por conta disto, Jesus, que se aproveita do bom senso de Judas sobre quase tudo mas que tem por sua vez um senso prático notável, utiliza as oportunidades que tem para granjear atenção a si e seus projetos de grandeza, por mais bizarros e equivocados eles possam parecer. Judas, descrevendo sob sua ótica a transformação do irmão mais velho algo apatetado em um mito vivo, tenta na novela entender como foi mesmo que ele próprio acabou condenado eternamente à execração e ao papel de vilão da história toda. Já velho, vivendo em uma espécie de gueto, conformado com a situação e rememorando os dias bons ao lado de Maria (que foi sua mulher afinal de contas), ele dá mostra de um estoicismo que seu irmão mais velho jamais seria capaz de sustentar caso tivesse sobrevivido. Gostei. Vamos a ver se o Ian se anima e publica mais no futuro.
Second Son, Ian Alexander, Ginninderra Press, 1a. edição (2007) brochura 14,5x21cm, 68 pág., ISBN: 978-1-74027-455-5

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