Minha amiga Saionara, grande leitora, leu este livro há tempos e me perguntou várias vezes se eu não o queria emprestado, entusiasmada que ficou. Em algum ponto das férias fiquei com ele e li em um final de semana inspirado. O livro é um grande best-seller, virou filme, ganhou resenhas mil mundo afora. Difícil ler livros assim sem uma reserva extra, sem ter já uma idéia mais ou menos formada do assunto. Acabou não importando muito pois lê-se "O caçador de pipas" sem esforço. É mesmo um livro fácil de ler e mesmo nas passagens mais duras não ficamos tão chocados assim. O enredo envolve a culpa, senhora do tempo. No afeganistão da segunda metade do século passado dois garotos de etnia e classe social distintas convivem muito bem, são exímios caçadores de pipas, termo que se usa lá para o esporte de buscar as pipas que são cortadas por outras. Quem já viveu em uma grande cidade e já conviveu com legiões de garotos pulando telhados e muros para alcançar um pipa sabe do que se trata. Esta amizade é duramente afetada pelo caos gerado na guerra civil afegã e rompida definitivamente com a invasão soviética (ocorrida no final da década de 1970) e a instalação de um regime pró-soviético no afeganistão. O ponto central do livro envolve a incapacidade do garoto rico de defender o colega de uma brutal agressão que ocorre ao final de um festival dedicado ao esporte de empinar pipas e cortar as linhas de seus adversários. A partir daí o livro descreve a escalada de violência que assola a região e como o garoto rico e sua família acabam sendo expulsos e encontram exílio nos Estados Unidos. Anos depois, quando a vida nos EUA já propiciou que ele tenha uma vida bastante confortável e sua carreira de escritor profissional já está consolidada, eis que um sujeito que ainda vive no afeganistão entra em contato com ele solicitando um favor que envolve uma viagem de volta ao afeganistão ainda mais conturbado com o governo dos talibãs. Esta viagem dará ao agora homem maduro a chance de se redimir da traição a seu amigo de infância, mitigando sua culpa. A parte final do livro envolve este resgate de um passado sombrio. O que dizer deste livro? Claro que ele foi burilado à exaustão para provocar empatia do leitor. Os personagens não têm ambiguidade alguma e se apresentam sem máscaras. Sabemos de antemão que o livro terá um final redentor, que mesmo em uma situação extrema o humanismo vence de alguma forma o arbítrio. A volta do narrador para o afeganistão é apresentada como se ele fosse Orfeu indo aos infernos resgatar uma Eurídice que é ele mesmo, ou a melhor parte dele mesmo, sufocada quando ele traiu seu amigo. Não posso dizer que o livro é ruim, mas pessoalmente gosto mais de romances onde a análise da psicologia é um tanto mais sutil, com mais camadas e tramas embaralhando os sentimentos de cada um, mas, de qualquer forma, o livro acaba mesmo se sustentando.
"O caçador de pipas", Khaled Hosseini, tradução de Maria Helena Rouanet, editora Nova Fronteira, 1a. edição (2005) brochura 14x21cm, 368 pág., ISBN: 978-85-2091-767-1
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