Os livros têm entre eles sutis formas de comunicação. Acabei de terminar um livro de viagem (Nomad's Hotel) e encontro neste "O Africano", um outro tipo de viagem, aquela que fazemos para o interior de nós mesmos. O autor é Jean-Marie Gustave Le Clézio, o ganhador do prêmio Nobel deste ano. Já li dois livros dele, de fato interessantes. A edição deste é belíssima (a Cosac sempre ensina como um livro deve ser editado) e inclui uma bibliografia completa de e sobre Le Clézio, ótima para os não iniciados na sua obra, como eu. O texto é curto. Trata-se de um relato bastante pessoal sobre a história de seu pai. Ele descreve vividamente suas impressões e lembranças de seu pai, que nasceu nas Ilhas Maurício, no Índico, que na época era colônia inglesa mas havia sido antes uma colônia francesa (hoje é um país independente ligado ao Commonwealth.) Ele é um negro legítimo que vai para Londres com uma bolsa para estudar medicina. Quando se forma na escola de medicina deve "pagar" a bolsa trabalhando para o governo (os europeus e os americanos resolveram a questão do acesso às boas universidades há uns duzentos e cinquenta anos, sempre valorizando o óbvio, a meritocracia, mas o Brasil continua inventando bobagens patéticas como cotas, fazer o quê!). Um impulso o faz aceitar primeiro uma posição na Guiana Inglesa e logo depois uma posição permanente na região onde hoje é a Nigéria e o Camarões (estas terras haviam sido subtraídas dos alemães logo após a primeira grande guerra e foram colonizadas por ingleses e franceses.) Ele é o único médico de uma região enorme. Passa na África a maior parte de sua vida. Em uma de suas viagens casa-se com uma prima de segundo ou terceiro graus que também havia nascido nas Ilhas Maurício, mas que havia emigrado com a família para a França. Logo volta para seu posto na Nigéria, voltando apenas esporadicamente à França, como nas ocasiões dos nascimentos dos filhos (Le Clézio nasce em Nice, em 1940.) Quando a segunda grande guerra começa ele se encontra na África e sua esposa em Paris. Apesar de tentar atravessar a África para encontrá-los passa toda a grande guerra separado da família. A mãe tem ascendência judaica, se esconde dos alemães na França ocupada. Só depois da guerra, em 1948, torna-se possível que ele conheça o filho mais novo e reencontre a mulher. O estranhamento do garoto Le Clézio ao descobrir que seu pai é um "Africano" e o processo de reconhecimento entre os dois dá a tônica incial do livro. Durante uns dez anos ele mora com os país na África, mudando completamente de hábitos. O texto descreve com calma a vasta região onde seu pai viveu e trabalhou, o combate diário com as forças da natureza, a beleza da região e de seu povo, o tipo relações que manteve com os vários líderes tribais com os quais conviveu, as reflexões do pai sobre o futuro da África (cruéis quando ele mesmo se percebe apenas um eficaz agente colonizador.) Ao se aposentar do serviço seu pai emigra para a França. Em 1968 perde a cidadania inglesa pois as Ilhas Maurício se tornam um país independente. Tem planos de emigrar para a África do Sul ou para o Caribe, mas nada disto se materializa. Sofre com os desastres que assolam a África nas décadas de 1960 e 1970 (as muitas guerras tribais, o massacre de Biafra, a busca européia pelas riquezas minerais do continente.) O livro termina com reflexões sobre como cada um nós se define historicametne ou como a memória das experiências vividas por nossos pais são transmitidas para nós. Le Clézio adotou recentemente dupla cidadania, tornando-se cidadão das Ilhas Maurício, chamada por ele de "sua pequena terra natal". Para um livro tão pequeno há muito o que se pensar. Quando eu resenhar o outro livro que li de Le Clézio comentarei mais um tanto sobre isto. Belo livro.
O Africano, J.M.G. Le Clézio, tradução de Leonardo Fróes, Cosac Naify (1a. edição) 2007, capa dura 16x23, 136 págs. ISBN: 978-85-7503-589-4
Eu também gostei do livro, realmente é um livro de viagens para se ler aos poucos um capitulo por dia.
ResponderExcluirBom comentario.