Antes deste "El hombre que mira", publicado em 1948, eu só havia lido um livro de Alberto Moravia. Era o "La Romana", que li apaixonadamente pois à epoca estava apaixonado por uma mulher que tinha o mesmo nome da personagem principal e isto cosmicamente devia significar alguma coisa. O que não fazemos quando estamos apaixonados? Com estas lembranças em mente ao ver este livrinho do Alberto Moravia em uma estante invulgar decidi comprá-lo de uma vez. Começo a leitura e "presto!": novas coincidências para mim, já que um dos personagens principais do livro é um físico e seu filho um professor, dois aguinaldos num só. Os caminhos que os livros fazem para nos encontrar são mesmo curiosos. Pois bem. A história envolve uma relação amorosa em crise. Na Itália do início dos anos 1980, um homem e uma mulher dividem um grande apartamento com o pai do primeiro. Este, um velho senhor, um físico e professor universitário algo famoso e importante, sofreu um acidente e quebrou a perna, com isto tem de ficar imobilizado em uma cama durante um certo tempo. Este fato gera uma crise no relacionamento do casal, pois a presença contínua do pai no apartamento e todos os cuidados e atenção de que precisa evidenciam o desconforto e falta de privacidade que os afligem. O apartamento na verdade devia pertencer ao homem, pois era parte da herança da mãe, mas na juventude ele o havia renegado, arroubo típico da contracultura européia do final dos anos 1960. Agora ele também é um professor universitário como o pai, faz parte do sistema, digamos assim, mas tenta parecer ainda jovem no espírito e na maneira como administra sua vida. O acidente com o pai perturba o frágil equilíbrio das relações entre todos, ele e o pai, ele e a mulher, a mulher e o sogro. A mulher decide sair de casa por uns tempos. Ele perambula pela Roma luminosa em busca de alguma tranquilidade, eventualmente flertando com uma bela africana que ele casualmente conhece. Através de uma das jovens enfermeiras do pai descobre o quanto ele é cativante e sedutor. Um dia ele relembra uma cena de sua infância onde o relacionamento de seu pai e de sua mãe fica mais claro para ele. Vários temas são discutidos neste livro: a ciência, o erotismo, o voyerismo, a psicologia, as diferentes formas de traição, o sexo, o processo educativo, as relações entre pais e filhos, as mudanças que o tempo provoca nas maneiras de encarar a vida. Escrever mais sobre a trama anteciparia situações que um eventual leitor não precisaria saber agora. Gostei muito do livro. É mesmo produto de um escritor maduro (foi um dos últimos romances publicados por Moravia) que conhece como poucos as sutilezas das relações amorosas e afetivas. Há coisas que me fizeram me lembrar de Coetzee (o homem lento) e também de Proust (o voyerismo naquela cena com a filha do compositor Vinteuil ou naquela onde o narrador vê Charlus e Jupien). A obsessão do narrador com as semelhanças de algumas personagens e as imagens de um quadro lembra também o Swann do Proust. Belo livro, que li aos poucos, intercalando com vários outros. Procurei nos meus guardados o "La Romana" que eu discutia e explicava tão apaixonadamente para minha musa, mas não o achei. Devo ter deixado com ela. Acontece. [início 11/02/2009 - fim 13/03/2009]
"El hombre que mira", Alberto Moravia, tradução de Silvia Querini, ediciones Debolsillo (1a. edição) 2006, brochura 13x19, 244 págs. ISBN: 978-84-9793-935-2
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