domingo, 6 de dezembro de 2009

pawana

Comprei este livro na feira de Porto Alegre. Neste ano a maioria dos livreiros, jornalistas, escritores e especuladores de plantão reclamaram do formato, organização e vendas. Arautos, pregoeiros e cassandras anunciavam o fim do livro e do próprio futuro da feira. Em meio aos ventos e a grita geral o povo de uma banca, capitaneada pela czarina Gisela e seus fiéis boiardos Carlos e Claudio, parecia não se importar muito com as reclamações e seguia seu rumo, o de capitães de longo curso. Trabalhavam diligentes e sérios, com critério, vendendo livros de uma única editora (a Cosac Naify). Duvido que eles tenham vendido muito menos que nos anos anteriores. Acredito que a segmentação, a fuga da mesmice dos títulos encontrados na maioria das bancas seja o diferencial a ser alcançado. A CESMA também esteve na feira e teve boas vendas, calçada em seus bons títulos e no bom atendimento. "Pawana" é uma pequena novela que conta uma história terrível. Mesmo o mais otimista termina o livro um pouco mais descrente da raça humana, de seu futuro, de sua moral torta, de sua ética vaga. Le Clézio conta a história da descoberta de um local próximo ao sul da atual baixa Califórnia, na costa oeste do México, onde as baleias costumavam ir para ter seus filhotes. A matança é contada por dois sujeitos (o capitão de navio baleeiro, que descobriu a passagem, e um jovem marinheiro, em sua primeira viagem). O capitão parece se penitenciar pelo seu ato inaugural. O jovem acrescenta que à morte das baleias seguiu-se a destruição do lugar, da paisagem, da fauna, dos índios, até que em poucos anos não sobrasse nada além de areia e restos brancos das carcaças das baleias. Assim como viu as baleias o jovem vê uma jovem índia do lugar ser prostituída e descartada. A degradação toma conta simultaneamente das coisas e da alma dos homens. O leitor tem de ser corajoso e seguir, mesmo quando lê trechos como: "Acho que já não tínhamos alma, não sabíamos mais nada da beleza do mundo. Estávamos embriagados pelo cheiro de sangue, pelo ruída da vida que escapava com o sopro. Eu agora me lembro do olhar dos homens. Será que não notei na hora? Era um olhar decidido e sem piedade. (...) Lembro-me do olhar do garoto que estava com a gente, que me encarava com uma pergunta sem resposta. Hoje eu sei que pergunta era essa, a explicação que ele me pedia: como alguém pode matar o que ama?" Le Clézio consegue em um pequeno texto nos alertar e inspirar. As "Pawana", como os nativos esquimós chamam as baleias, continuam sendo massacradas, como se os homens continuassem incapazes de amar. Talvez seja assim mesmo, talvez sejamos capazes de apenas amar o passado, o lendário, o já morto e destruído. A edição da CosacNaify é belíssima, com ilustrações de Eloar Guazzelli que amenizam um tanto a crueza do texto. [início - fim 30/10/2009]
"Pawana", J.M.G. Le Clézio, tradução de Leonardo Fróes, ilustrações de Eloar Guazzelli, editora Cosac Naify (1a. edição) 2009, capa-dura 16x23, 63 págs., ISBN: 978-85-7503-848-2

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