terça-feira, 8 de dezembro de 2009

trevas

Foi Carlos Pereira, fiel boiardo da czarina Gisele Minato, quem me emprestou este livro de Thomas Bernhard. Publicado em 1993 pela Editora Hiena (de Portugal) é um livro difícil de se achar nestes pagos. Este é um dos livros mais caústicos que eu já li. Bernhard não facilita, não tergiversa, não ameniza. Fica muito claro desde o início do livro que hipocrisia, dissimulação e ironia não servem como material literário para ele. Sempre objetivo, ele costuma bater onde dói, preferencialmente naqueles espaços onde escondemos nossos medos, nossas vergonhas, nossas faltas. Em "Trevas" são reproduzidos seis discursos ou entrevistas, publicadas originalmente entre 1965 e 1988. Thomas Bernhard, que morreu em 1989, curiosamente promoveu um exílio póstumo, pois determinou em seu testamento que suas obras não deveriam ser publicadas ou encenadas em território austríaco. Nada estranho se considerarmos que ele era chamado por seus compatriotas de "Netsbeschmutzer", algo como "o sujeito que suja seu próprio ninho". A edição é muito bem cuidada e tem uma boa apresentação do livro, além de uma detalhada cronologia da vida de Bernhard (ambas produzidas pelo tradutor, Ernesto Sampaio). Os textos reproduzidos no livro foram originalmente discursos que ele fez em cerimônias de entrega de prêmios literários. Bernhard sempre lembra seu público dos crimes cometidos durante as guerras mundiais do século XX, sempre faz questão de demostrar o quanto seus contemporâneos preferem esquecer ou falsear seu passado, sempre aponta focos de ressurgimento da mentalidade nazista na sociedade austríaca. Para ele os crimes do nazismo foram coletivos, mas a penitência deveria ser pública, sincera e individual (ele antecipa que isto jamais acontecerá, almas mortas que são seus concidadãos europeus. Já nas entrevistas ele fala com agressividade contra os encontros literários para os quais é convidado, pois sabe que neles tudo é pleno de farsa e mediocridade - geralmente às custas de dinheiro público. Seus comentários sobre a qualidade dos jornais e dos jornalistas de sua época são divertidíssimos ("... e eles julgam que aquilo é alguma coisa, e afinal não passa de estupidez!", diz ele em uma das entrevistas). Preciso sim ler mais este sujeito. [início 04/11/2009 - fim 08/12/2009]
"Trevas", Thomas Bernhard, tradução de Ernesto Sampaio, editora Hiena (1a. edição) 1993, brochura 14x21, 77 págs., sem ISBN

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