Cheguei a este livro por conta de minha obsessão com as coisas de Javier Marías. Ele traduziu, ainda em 1985, os contos folclóricos de "O crespúsculo celta", do poeta irlandês (e prêmio Nobel de literatura) William Butler Yeats, publicados em 1893. Além destes contos, "Mitologías" reune os demais textos em prosa de Yeats (A rosa secreta; Histórias de Hanrahan, o vermelho; A rosa alquímica; As tábuas da lei; A adoração dos magos, todos de 1897, traduzidos por Alejandro García Reyes; e "Per amica silentia lunae", de 1917, traduzido por Miguel Temprano García). O resultado é um livro irregular. Estes textos fazem parte do esforço de renovação da literatura irlandesa empreendido por Yeats. Os contos folclóricos (que estão nas séries O crespúsculo celta, A rosa secreta e Histórias de Hanrahan, o vermelho) são realmente interessantes, inspiradores. Yeats os compilou ao longo de anos, principalmente na região noroeste da Irlanda, a província de Connacht, entre as cidades de Sligo e Galway. A mitologia celta é povoada por fadas, fantasmas, duendes, histórias que parecem decalcadas de mitos mais antigos, gregos, hebraicos e hindus, e também de leituras tortas das tradições cristãs. Yeats narra suas conversas com a gente simples do campo, que relembra e conta suas histórias enebriados pelos vapores do tabaco, os ruídos de cartas sendo embaralhadas e o perfume do whiskey. Encontrei coisas que remetem a vários contos de fadas (ou as histórias de Alice, de Lewis Carroll), mas sempre com algum sinal trocado (ou a ordem temporal ou o sexo dos personagens é trocado, curioso mesmo). As histórias do poeta errante Hanrahan são ao mesmo tempo dramáticas e divertidas. O desfecho das histórias raramente é moralista. Pode-se entender estas histórias como parte de um projeto político de enfrentamento dos valores e tradições do dominador inglês. Um terço do livro (A rosa alquímica; As tábuas da lei; A adoração dos magos; "Per amica silentia lunae") consiste de textos de inspiração mística (não mitológica), uma espécie de manual de ocultismo e revelação. Claro, o leitor curioso encontra rapidamente ali o material bruto que tipicamente se associa às sociedades secretas, aos ritos de iniciação mística e simbolista. Definitivamente não tenho muito apreço por religiosidade ou misticismos bestas, por explicações mágicas para fenômenos da natureza ou pelas bizarras interpretações dos medos e fobias humanas. Quando material de fontes como estas é transformado em boa arte o efeito é realmente potente, mas quando se trata - como neste caso - apenas de narrativa monocórdia de experimentos místicos do autor, a leitura perde toda a graça e vigor. De qualquer forma os textos mitológicos valem o tempo de leitura do livro. Vamos em frente. [início 16/05/2012 - fim 30/05/2012]
"Mitologías", W.B. Yeats,
tradução de Javier Marías, Alejandro García Reyes, Miguel Temprano García, Barcelona: editorial Acantilado, 1a.
edição (2012), brochura 13,5x21 cm, 383 págs. ISBN:
978-84-15277-55-2 [edição original: Mythologies (New York: Scribner / Simon & Schuster) 1998]
Off-topic: espero o dia em que vais ler o Danúbio, do Magris, e resenhá-lo aqui. Afirmo que irá gostar, talvez até repita a mesma certeza que o livro produziu em mim, a de que se trata de uma obra para a vida toda.
ResponderExcluirOi,
ResponderExcluirEntro no seu blog hoje, pela primeira vez. Minha filha o recomendou.
Sou obcecada - como você diz - pelo o que Javier Marías escreve. Sempre quero mais e mais.
Bem, livros, sempre quero mais, sempre mais.
Explorei muito pouco seu blog e não encontrei comentários sobre o JM.
Pergunto: tem? Onde?
Obrigada.
Um abraço,
Oi,
ResponderExcluirJá achei Javier Marias.
Tem tudo. Atribua à ansiedade e à alegria por me defrontar com seu blog, Marías e o mundo dos livros, ter te feito pergunta tão idiota.
Desculpe-me.
Obrigada.
Um abraço,