sábado, 14 de julho de 2012

senhor proust

Encontrei este livro por acaso e que surpresa agradável, que festa para os sentidos e para a memória. "Senhor Proust" foi publicado em 1973 mas só traduzido para o português há poucos anos. Georges Belmont conseguiu o que muitos tentaram antes dele, entrevistar a mulher que acompanhou mais diretamente Marcel Proust em seus últimos oito anos de vida. Belmont entrevistou-a cinquenta anos após a morte de Proust, entrevistou uma senhora de oitenta e dois anos, ainda zelosa da memória de seu antigo patrão (e, claro, de sua própria reputação, como a jovem que velava tão atentamente toda a rotina de Proust). O resultado é surpreendente. O Proust que encontramos no livro é um sujeito tão cativante quanto seus personagens. Apesar das muitas camadas de tempo que filtram as memórias de Céleste sua versão parece verossímil (ao menos o suficiente para satisfazer o que um leitor dos livros Proust pode entender da relação dele com sua obra). A definição da personalidade de Proust que mais gostei no livro é aquela em que Céleste afirma ser ele um adivinhador de almas. Qualquer leitor que teve a fortuna de conhecer seus livros há de lembrar quão precisas e vívidas são as descrições dos personagens inventados por ele. As paixões humanas, as múltiplas e contraditórias facetas do comportamento humano, são admiravelmente dissecadas e expostas por Proust. Após ler seus livros parece mais fácil reconhecer nos vizinhos, nos colegas, nos amores, e sobretudo em nós mesmos, as virtudes e as hipocrisias próprias dos homens. Belmont dá voz a Céleste em trinta capítulos temáticos, mas há uma feliz uniformidade na narrativa, parece mesmo que estamos a ouvir um relato contínuo dela. Os capítulos dedicados aos hábitos (de alimentação, de toalete, de vida em sociedade) são os mais divertidos; aqueles dedicados as conversas entre eles sobre as relações entre os personagens de "Em busca do tempo perdido" e as pessoas que os inspiraram são os menos confiáveis; os capítulos onde se descreve a decadência física e a morte de Proust um tanto piegas demais para o meu gosto; aqueles onde ela dá voz ao Proust que se divertia em desnudar defeitos e falhas de caráter de seus editores, rivais literários ou mesmo amigos mais próximos, muito bons, examplares. Nada supera a experiência de ler os livros de Proust, mas livros como este dão ao leitor ferramentas de análise, instrumentos de associação, que justificam nosso desvio dos adoráveis caminhos da ficção. [início 29/06/2012 - fim 13/07/2012] 
"Senhor Proust: Céleste Albaret, lembranças recolhidas por Georges Belmont", Georges Belmont, tradução de Cordelia Magalhães, Osasco: editora Novo Mundo, 1a. edição (2008), brochura 16x23 cm, 446 págs. ISBN: 978-85-7679-152-2 [edição original: Monsieur Proust: Céleste Albaret, Souvenirs recueillis par Georges Belmont (Paris: Robert Laffont) 1973]

3 comentários:

  1. Meu encontro com 'Proust' aconteceu em 2006. Li o 'Um amor de Swan'. O adivinhador de almas me arrebatou. Marquei o nosso reencontro para mais tarde, afinal, Proust merece uma dedicação. Fiquei em outras leituras, até que encontrei num sebo os três primeiros romances de No caminho de Swan, a traduçõa de Mário Quintana. - Perfeito, pensei. Estou terminado um Milan Kundera, o Mia Couto e relendo On the road. Em agosto pego 'Proust'. Vez em vento procuro algo na net sobre ele. Adorei esse livro, vou atrás. Abs, Nique

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  2. Boa dica! Obrigado, já verifiquei na Cultura e eles têm o livro, abs, Marcelo

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  3. Puxa vida, obrigado, era o que eu estava precisando. Estou terminando "No caminho de Swann" e me perguntando, quem será quem? Ou ainda, quem será o Proust desses personagens? Já passei na biblioteca e peguei "A sombra das raparigas em flor" pq ainda não comprei, comprei "O caminho de Guermantes", que me parece é o 3º volume a se ler...preciso de orientação...mais uma vez obrigado.Jutilde

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