"O sentido de um fim" é um livro curioso. Ao mesmo tempo que conta uma história interessante, que oferece ao leitor material suficiente para boas reflexões sobre memória, culpa, filosofia, história, conflitos entre gerações e até teoria da literatura, o livro irrita ao leitor, ao expor tão insistentemente seus truques e malabarismos (a concisão forçada, a economia, a ambiguidade, simples artificios, mas que acabam por dar sentido formal ao livro). Autor experiente (e premiado) Julian Barnes domina completamente o processo. Já conhecemos sua versatilidade desde seu primeiro livro, o exuberante "O papagaio de Flaubert". "O sentido de um fim" é um livro curto, onde se narra os desdobramentos de uns poucos fatos realmente importantes. Claro, para cada indivíduo, cada protagonista, mesmo o menor dos gestos pode vir a ser capital, mas para a humanidade, para a história (e para o leitor), tudo é irrelevante. A graça do livro está em uma questão sobre a qual não é possível comentar detalhadamente sem ser tendencioso, e como isso contaminar a apreciação futura de quem vier a se interessar em lê-lo. O livro é dividido em duas partes. Na primeira conhecemos o narrador (Anthony) e seus amigos mais próximos (Colin, Alex e Adrian - que não é inglês, mas sim americano), estudantes na Londres suburbana do início dos anos 1960 que terminam o nível médio e entram na universidade. Adrian é o mais inteligente do grupo e chama a atenção pela abordagem filosófica com a qual experiencia a vida. Nesta parte o narrador descreve o suicídio de um rapaz da escola (não exatamente de seu círculo de amizades), fato que é discutido em sala de aula e também entre Anthony e seus colegas; seu relacionamento com uma garota (Veronica) - que é de uma classe social um tanto maior que a sua (na Inglaterra essas questões sempre são importantes); uma viagem para os Estados Unidos e um outro suicidio, agora sim de um de seus amigos. Na segunda parte há um deslocamento temporal de mais de quarenta anos. O narrador já casou-se, separou-se, viu crescerem filha e netos, aposentou-se (aparentemente teve uma vida anódina). Em determinado momento ele recebe uma correspondência oficial dando conta de seu direito, por herança, do diário daquele amigo seu que havia cometido suicidio, há quarenta anos. A partir daí Barnes faz com que o narrador se comporte como um detetive (ou romancista policial) que investiga questões de seu próprio passado, tateando entre a realidade factual (a historiografia possível deste passado) e os destroços de sua memória. O livro ganhou o "Man Booker Prize" de 2011, e aparentemente vendeu bem mundo afora, mas o resultado me parece ruim, por mais suspense que seja criado, ou por mais maestria com que Barnes leve seu livro ao final. Tanto a culpa de Anthony, quanto a irracionalidade de Veronica são artificiais demais para meu gosto. Os outros personagens são rasos demais para que inspirem alguma simpatia ou admiração. Mas nunca podemos confiar nos narradores (qualquer leitor aprende isso cedo ou tarde), assim como não podemos confiar na realidade de nossas memórias. Talvez seja essa a mensagem que Barnes queira uma vez mais nos transmitir. A realidade sempre é mais surpreendente e insana que qualquer ficção, qualquer texto ou cousa imaginada pelos homens.
[início 09/09/2012 - fim 10/09/2012]
"O sentido de um fim", Julian Barnes, tradução de Léa Viveiros de Castro,
Rio de Janeiro: editora Rocco, 1a. edição (2012) brochura
14x21cm, 159 pág. ISBN: 978-85-325-2755-4 [edição original: The sense of an ending (Londres: Jonathan Cape) 2011]
Acho que vou ler, no tempo do Papagaio de Flaubert tive o livro e ele sumiu sem que o tivesse lido, me animei com seu comentário deste, até mesmo pelo quase não... :)
ResponderExcluirabraço, clara
Li-o no início deste ano e ainda o recordo muitas vezes com satisfação...
ResponderExcluirhttp://numadeletra.com/1056.html