domingo, 28 de abril de 2013

cartas pônticas

Recentemente, ao ler o impressionante "Danúbio" encontrei uma menção ao exílio de Ovídio. "Augusto soube escolher sua vingança", escreve Claudio Magris, ao comentar o lugar do desterro do poeta. Foi em Tomis, a atual Constança, na Romênia, perto do delta do rio Danúbio, onde Ovídio viveu seus últimos anos, os longos dez anos desde do banimento imposto por Augusto. Tomis havia sido fundada pelos gregos e à época de Ovídio (no início do século I) era uma fortificação da fronteira oriental do Império romano. Ovídio lá viveu assustado com os constantes ataques dos povos ditos bárbaros daquela região, incomodado pelo frio intenso, os ventos gélidos e as más acomodações do lugar, saudoso da vida boêmia, das amizades e das delícias de Roma. Nestas "Cartas Pônticas" estão reunidas cartas que ele escreveu solicitando a intervenção de amigos junto a Augusto (e depois depois da morte deste, a Tibério) ao menos por sua transferência para um lugar de exílio não tão penoso (aos poucos ele se convence da inutilidade de seus pedidos). As primeiras cartas deixam o leitor um tanto incomodado, pois soam como aborrecidos e repetidos exercícios de adulação (é uma associação besta, mas acho que muitas das cartas que o narrador de "Em busca do tempo perdido" escreve devem algo ao estilo das de Ovídio). Mas aos poucos experimentamos um outro efeito, como se o gênio de Ovídio se despejasse de uma vez só. Compreendemos de súbito o quão grande pode ser a dor do sujeito que se sabe impotente frente as circunstâncias da vida (que acontece serem terríveis quase sempre, apesar de nossos esforços em nos iludir com as mirradas maravilhas que encontramos). Qualquer sujeito que esteja para assumir um cargo importante, sinta-se orgulhoso de sua fama momentânea ou do sucesso em sua atividade, deveria ler um par destas cartas. Aprendemos com ele como num sopro aquilo que nos valorava pode tornar-se a prova de nossos crimes, que nossas habilidades podem tornar-se exatamente o nosso fardo, que é fácil ser esquecido por quem não conta mais com nossos favores e mimos. Não se sabe exatamente o porquê da decisão de Augusto, mas provavelmente Ovídio foi traído por coisas que ele mesmo escreveu e defendeu em seus poemas. Há sabedoria nas cartas, mas uma sabedoria esgotada, cansada, quase inerte. Em umas poucas cartas ele deixa de lamentar suas desgraças e consola genuinamente alguém em luto ou adoentado, por amizade ou por educação. Noutras ele convoca sua Musa e espera que seu talento não se extinga de vez. Mas nem tudo é dor, nos anos de exílio Ovídio aprendeu a língua do lugar (a língua dos Getas, das diversas tribos Trácias e Dácias do baixo Danúbio) e chegou a escrever versos nela. Num mar de estupidez, o conhecimento e a erudição são os únicos remédios realmente eficazes ao alcance dos homens. As cartas foram originalmente escritas como poemas, os versos medidos e contados, mas o tradutor optou por fazer uma versão em prosa das cartas. O livro inclui uma detalhada introdução crítica sobre a vida e obra do poeta, além de uma bibliografia. E, por fim, o livro termina num lamento poderoso: "Se me for permitido dizê-lo, minha Musa, entre tão grandes autores, tinha um nome preclaro e encontrava leitores. Deixa, portanto, Inveja, de insultar um homem banido de sua pátria e não disperses, cruel, as minhas cinzas. Tudo perdi, só me foi deixada a vida para oferecer sentido e matéria à minha desgraça. De que adianta cravar o ferro em membros extintos? Não há mais em mim lugar para uma nova ferida". Será possível maior clareza?
[início: 12/04/2013 - fim: 27/04/2013]
"Cartas Pônticas", Ovídio (Públio Ovídio Naso), tradução de Geraldo José Albino, São Paulo: editora WMF Martins Fontes, 1a. edição (2009), brochura 13,5x20 cm., 169 págs., ISBN: 978-85-7827-043-8 [edição original: Epistulae ex Ponto, (Tomis / Mar Negro) anos 12 a 16]

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