Fazer um registro da leitura de "A tristeza extraordinária do leopardo-das-neves" não é trivial. Trata-se de um livro que cobra atenção e dedicação do leitor, mas que o recompensa com algo realmente interessante, longe de ser convencional. Resenhá-lo em detalhes implicaria em antecipar surpresas e desdobramentos que cada leitor deve descobrir por si só, já que a história que se narra é como um quebra-cabeças, cuja solução - apesar de poder ser parcialmente inferida já a partir do meio do livro, só é explicitada nos últimos parágrafos. Joca Reiners Terron cria e sustenta bem uma história que parte de elementos algo inverossímeis e díspares: um animal raro; um taxista perverso que gosta de música clássica; os cães deste taxista; conspirações; um escrivão dividido entre uma investigação e os cuidados com seu pai já senil; uma babá e a "criatura" (para usar a acepção que o autor usa) sob seus cuidados; uma doença desconhecida; um empregado que sonha seduzir a filha de seu empregador; um passeio noturno por um zoológico; uma funcionária pública que sonha um futuro como jornalista"; as misteriosas ligações telefônicas que o escrivão recebe. Como já nos ensinou Javier Marías, ao argumentar que aquilo que lemos nas páginas policiais dos jornais é
sempre mais surpreendente que os mundos ficcionais imaginados pelos escritores, a realidade não é uma escritora muito boa. Terron parece saber disto, pois dá aos elementos "inverossímeis e díspares" que coletou para sua história uma roupagem literária realmente robusta (óbvio dizer isso, ele não faz jornalismo e sim boa literatura). Enfim. O que no início parece um conto de fadas algo amalucado aos poucos revela as sutilezas de uma consistente narrativa sobre coisas inusitadas que ocorrem nas grandes cidades (onde todos se conhecem o suficiente para não prestar atenção no que cada um faz, por mais bizarro que seja). A cidade de São Paulo também funciona como uma personagem do livro, em dois registros distintos. Um na região do Bom Retiro, onde a arquitetura e a geografia das ruas guarda memória da passagem e presença de muitos imigrantes (judeus, coreanos, bolivianos), outro na região da Água Funda, onde fica o Parque Zoológico de São Paulo, que parece funcionar como uma fronteira distante de mundo natural, do que há de primitivo, orgânico e visceral na vida, e que acaba atraindo os personagens urbanos (assim como as luzes atraem os insetos). Duas histórias se alternam (a do escrivão e seu pai senil, e a da babá e a "criatura" sob seus cuidados) e acabam convergindo. Terron controla o fluxo de informações e as chaves de leitura que deixa pelo texto. O resultado é bastante bom. Trata-se de fato de um projeto literário ambicioso (de um sujeito já bastante senhor das técnicas de seu ofício).
[início: 05/06/2013 - fim: 07/06/2013]
"A tristeza extraordinária do Leopardo-das-neves", Joca Reiners Terron, São Paulo: editora Companhia das Letras, 1a. edição (2013), brochura 14x21 cm., 175 págs., ISBN: 978-85-359-2234-9
É mesmo um romance intrigante esse.
ResponderExcluirLiteratura brincando com a realidade.
Abraço