domingo, 9 de junho de 2013

drive-in

Na falta de uma classificação melhor registro que este é um livro de contos, mas antes é um volume onde estão fixadas narrativas livres, apontamentos para uma discussão, idéias para uma conversa entre pares. Pois nas narrativas reunidas em "Drive-in" encontramos cousas muito distintas entre si, uma espécie de recorte literário de experiências e vivências, de inspirações e epifanias. Tudo parece congelado no tempo, recortado de um diário, inventado e dito naquele momento mesmo em que estamos a ler, tal o inusitado das associações. Algumas das narrativas são fragmentárias, como se o narrador de Márcio Grings precisasse fixar rapidamente um momento em especial, para só depois encontrar, nas frases curtas e soltas, algo que lhes desse alguma eventual coerência. Há textos que são mais orgânicos, onde se contam histórias mais longas e menos enigmáticas. Tudo brota de uma memória afetiva, a memória daquilo que foi vivido pelo narrador (ou pelos heróis cultuados pelo narrador, numa transcriação generosa). O livro insinua uma curiosa trilha sonora, assim como povoa a lembrança do leitor com cenas de filmes, trechos de outros livros, o som de garrafas de whiskey que se encontram, o cheiro de mofadas camas de hotel, o ruído de carros, as cores das luzes de neon entre outros cenários urbanos. Há livros que oferecem um mundo a ser descoberto, mas em geral um mundo já pronto, com sua lógica interna e definitiva, imperturbável. Já outros livros oferecem convites à conversação, ou antes, oferecem uma proposta de compartilhamento de ideias, como num jogo em que faz-se necessário um grupo de participantes para alcançar o entendimento acertado das coisas. Drive-in parece ser um livro deste último tipo e Márcio Grings, uma espécie de mago, de ilusionista, que esconde entre os dedos, encapsulado, algo fundamental e rico para o juízo e deleite do leitor.
[início: 09/05/2013 - fim: 12/05/2013]
"Drive-in", Márcio Grings, Santa Maria: Disco Voador Livros (editora Manuzio), 1a. edição (2013), brochura 11x18 cm., 64 págs., sem ISBN

Um comentário:

  1. Não conheço este autor mas fiquei curioso... descobri na net que é jornalista mas penso que não está publicado aqui em Portugal.
    O conto é um género "traiçoeiro" porque aparenta facilidade mas qualquer autor que embarque nesse aparente facilitismo cai na banalidade.
    Mas o que me levou a escrever aqui foi a descoberta do seu blogue. Está excelente! Descobri-o por acaso quando pesquisava sobre o livro que estou a ler (O Complexo de Portnoy).
    Vou ficar seguidor assíduo.
    Cumprimentos tugas :)

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