Lemos "O tango da velha guarda" com prazer, mas não é um livro fundamental, transformador. Trata-se de um bom entretenimento. É um livro fácil de ler,
que oferece ao leitor ao mesmo tempo algo rico em associações históricas
e também exemplar por demonstrar como uma trama convencional pode ser bem
contada quando um sujeito é hábil em seu ofício. Pérez-Reverte cria uma
narrativa em três planos temporais (1928, 1937 e 1966) que se alternam
como num jogo. No de 1928 encontramos em um navio que sai da Europa rumo a América do Sul os protagonistas principais (Max Costa, Mecha Inzunza e Armando de Troeye). O primeiro é dançarino profissional do navio - dançarino mundano, escolheu o tradutor; Mecha e Armando são um casal de jovens ricos, ela muito bonita, ele um compositor muito famoso). Os dias no navio são de sedução, que se dá através do tango que Max e Mecha dançam bem, e das conversas entre Max e Armando, que tem interesse em incorporar o ritmo do tango em sua próxima composição. Max é argentino de nascimento e conhece bem a origem do tango, nos bairros proletários de Buenos Aires. Armando acaba convencendo Max a levá-los (ele e Mecha) a um local onde o tango tradicional seja dançado. Isso, claro, envolve alguns riscos, levando os três a uma situação limite. O leitor acompanha o desenvolvimento da história com interesse crescente, pois o ritmo é de uma história policial (como Pérez-Reverte alterna esses acontecimentos com os dias de Mecha e Max na ensolarada Sorrento de 1966 o leitor sabe algo do futuro dos dois, mas tem curiosidade em saber como ambos chegaram até aquele ponto de suas vidas). Após apresentar os sucessos de Max, Mecha e Armando em Buenos Aires Pérez-Reverte avança sua história em dez anos. No final da década de 1930 já se vive as tensões que culminarão na segunda grande guerra. Max se envolve em uma outra sedução, aquela que é mais próxima dos jogos de espionagem, de interesses cruzados entre fascistas, comunistas, ingleses, italianos e espanhóis (estes últimos já em aberto conflito armado em sua guerra civil). Resolvidos os sucessos deste segundo trecho do livro Pérez-Reverte avança trinta anos em sua história e desenvolve o jogo final de Max (ao qual o leitor já havia sido apresentado logo no início do livro). Ele está às voltas com duas questões delicadas para
resolver. Uma mundana, que envolve sua autoestima, suas paixões e um balanço final das escolhas que fez na vida; a outra envolve o uso das habilidades profissionais
que desenvolveu (mas estavam aposentadas). Suas técnicas e profissionalismo são
colocados à prova uma vez mais, quando ele tem de ajudar o filho de Mecha, um excelente enxadrista envolvido numa disputa com um campeão mundial russo. Como em qualquer romance longo e ambicioso (como é o caso), há um acúmulo de temas que podem ou não funcionar bem juntos. Pérez-Reverte discute basicamente a luta de classes, como as vidas das pessoas comuns - e o arrivismo inerente a quem almeja melhorar de vida e de status social - são afetadas nas transformações políticas e econômicas geradas pelos grandes jogos de poder, no caso, a aparente tranquilidade dos anos que se seguiram a primeira grande guerra, a guerra civil espanhola e a guerra fria, os tais três planos temporais da história. É um livro bem resolvido, a trama é mesmo interessante e são oferecidas ao leitor muitas passagens realmente boas, mas falta algo nele. Fica implícito em "O tango da velha guarda" o quão difícil é para um autor ficar satisfeito com as coisas que inventa antes de finalmente publicá-las, apresentá-las ao público leitor. Arturo Pérez-Reverte começou a escrever esse livro em janeiro de 1990, mas só alcançou terminá-lo e publicá-lo em junho de 2012. São vinte e dois anos, um bocado de tempo. Não sei os motivos que o fizeram esquecer do projeto por tanto tempo e/ou mantê-lo por tanto tempo em gestação até alcançar publicá-lo (Não tive paciência de procurar os motivos, mas achei um blog em que Pérez-Reverte conta, após a publicação original, alguns destes porquês. Entusiastas de gênese literária gostam particularmente de materiais assim; li um bocado, mas talvez só tenha sentido acompanhar tudo se você realmente gostar destas coisas). De qualquer é um livro que consegue se defender sozinho e é também algo cinematográfico (ou apto a ser adaptado para o cinema) como, de resto, quase todos os demais livros dele que já li.
[início: 06/07/2013 - fim: 15/07/2013]
"O tango da velha guarda", Arturo Pérez-Reverte, tradução de Luís Carlos Cabral, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição (2013), brochura 15,5x23 cm., 389 págs., ISBN: 978-85-01-40276-9 [edição original: El tango de la Guardia Vieja (Madrid: Alfaguara) 2012]
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