A partir de meados dos anos 1970 comecei a ler regularmente jornais (inspirado, claro, pelo velho Aachanald Severinovich, meu Papandreos, que lembrava ser de Hegel o ensinamento: "O jornal é a oração matinal do homem civilizado"). O cartunista que eu mais gostava na Folha de São Paulo era o Angeli, mas em algum momento meu olho começou a seguir também os trabalhos de uma outra pessoa, a Mariza Dias Costa. Lembro-me de uma ilustração dela para o Bloomsday de 1982 colocada ao lado de um texto muito bom do Ivan Lessa para o antigo Folhetim (e foi afinal esse texto do Lessa que convenceu-me a ler aquele tijolo que eu folheava displicentemente quando matava aulas no IFUSP). Naquela época Mariza já era a ilustradora oficial das colunas do Paulo Francis e era difícil não associá-la a quaisquer outros textos. Depois de 1990, quando o Francis mudou-se para o Estadão, ela sumiu dos jornais, voltando à Folha em 1999 para ilustrar a coluna do psicanalista Contardo Calligaris, o que faz até hoje. O estilo dela é inconfundível. Aos desenhos ela superpõe texturas, rabiscos, grafismos, colagens. Esse livro ("...e depois a maluca sou eu") inclui sobretudo os trabalhos da segunda fase de colaboração com a Folha, os trabalhos em cores produzidos para a coluna do Contardo Calligaris. São trabalhos realmente impressionantes, fortes mesmo. Mas gosto mais da potência que brota dos trabalhos em preto e branco, do período inicial (aquele em colaboração com o Francis). Quando lembramos que quase tudo aquilo pertence a uma época anterior aos computadores pessoais e eram produzidos através de desenhos, colagens e xerox (e muito past-up, fotolitos e retícula) eles ganham ainda mais potência. O livro inclui cinco textos: a orelha é assinada pelo psiquiatra Marcelo Ribeiro, no miolo encontramos uma apresentação assinada pelo artista gráfico Orlando Pedroso, um perfil biográfico assinado por Laura Capriglione (que também foi do IFUSP, mas um dia decidiu tornar-se jornalista), um registro amigo do colaborador Contardo Calligaris e um depoimento da própria Mariza, onde ela fala do período em que esteve internada em uma clínica. Todos os textos (e o título também, claro) de alguma forma correlacionam a genialidade artística com uma forma de loucura, como um limite da loucura. Enquanto projeto editorial o livro me parece dividido entre uma função quase terapêutica (pela crueza com que desnuda a vida particular da artista) e uma função acadêmica (de garantir através do registro em livro que a produção de uma das melhores ilustradores brasileiras dos últimos quarenta anos torne-se mais conhecida). O livro é muito bem editado, as cores vibram, as fontes e a composição são super bem feitas. Tudo isso torna este livro um mimo para os olhos. E é divertido afinal.
[início: 25/01/2014 - fim: 28/01/2014]
"...e depois a maluca sou eu", Mariza Dias Costa, São Paulo: editora Peixe Grande, 1a. edição (2013), brochura 21x28cm., 224 págs., ISBN: 978-85-89601-38-2
Eu me pergunto, Aguinaldo, onde vc encontra espaço pra aramazenar tantos livros :-) Deve morar numa imensa hacienda, metade tomada de livros. Esse de que vc fala aqui parece bem interessante, e não lembro da artista, mas de seu traço sim. Abraço, clara
ResponderExcluirEu me pergunto como arranja tempo e disciplina para ler tanto. Um dia, espero não demore, chegarei perto e serei mais feliz. Abraço
ResponderExcluirCaros Clara e Daniel, como vão?
ResponderExcluirObrigado pelas palavras gentis. Este será um ano corrido. Vamos a ver se será um ano bom. Felicidades mil.
Aguinaldo