São treze contos relativamente curtos, contos indisfarçadamente autoficionais. O narrador sempre é um escritor que descreve retrospectivamente uma experiência; que registra algo que fez mas não absorveu completamente ou não entendeu direito; que conta um causo para um grupo de amigos (entre eles o leitor). O tom é contido, sem malabarismos ou jogos verbais. O leitor acompanha com interesse as histórias como se estivesse sendo entretido com uma conversa sedutora numa festa ou num bar. Ingo Schulze é um alemão nascido em Dresden, capital da Alemanha Oriental, em 1962. É um dos autores contemporâneos alemães mais respeitados. Nestes contos ainda há fronteiras entre os personagens, mas não propriamente as reais, físicas, dos tempos da guerra fria, mas sim aquelas provocadas pela desconfiança e estranhamento. Seis contos não eram inéditos na época da edição original (2007), já haviam sido publicados em revistas em 1999 ou 2000. Os temas se não são completamente corriqueiros ao menos são completamente verossímeis. Tudo se apresenta e chega a um desfecho rapidamente: um sujeito envolve-se a contragosto com um vizinho por conta dos estragos provocados por arruaceiros; um casal briga em função do atraso na entrega de um apartamento; três casais de alemães experimentam aventuras algo bizarras num verão italiano; um sujeito pensa sobre a doença de uma vizinha e os ratos que infestam sua casa; um rapaz em viagem pelos Estados Unidos conversa com seu locatário, um velho sobrevivente da segunda grande guerra; um jovem escritor visita sua mãe e é convencido por ela a consultarem uma vidente; um jovem advogado torna-se sócio de um escritório e percebe-se a caminho de uma vida ainda mais monótona do que já experimenta; um escritor e sua namorada em férias pela Estônia descobrem que seus vizinhos num acampamento são caçadores de ursos; um escritor convidado para dar palestras em um evento literário no Egito conta como sua namorada se envolveu com o sujeito destacado para acompanhá-los; um rapaz recebe um casal de amigas de sua mulher num dia de verão no campo, relaxando completamente com os excessos típicos de quem vive sem culpa, entre bebidas e sol; o narrador conta sobre a vida e as mulheres de um sujeito, dos anos que antecedem a queda do Muro de Berlim ao início do século XXI; o narrador acompanha as memórias e confissões de amigos durante uma festa; um escritor digressa, durante uma viagem de trem, sobre a ausência dos antigos controles fronteiriços e as transformações de uma amiga. Schulze sempre enfatiza o efeito da passagem do tempo nos personagens e quase sempre explicita, algo irônico, sobre as diferenças entre o que seus personagens prometem fazer e o que realmente fazem. O livro inclui um curto posfácio do tradutor, Marcelo Backes, além de um bom texto, assinado por Márcio Seligmann-Silva. Ambos contextualizam a obra de Schulze no cenário literário alemão posterior a queda do Muro de Belim. Acho que vale a pena procurar mais cousas deste sujeito.
[início: 17/12/2013 - fim: 07/02/2014]
"Celular: 13 histórias à maneira antiga", Ingo Schulze, tradução de Marcelo Backes, São Paulo: CosacNaify, 1a. edição (2008), brochura 14x18,5cm, 352 págs., ISBN: 978-85-7503-713-3 [edição original: Handy: dreizehn Geschichten in alter Manier (Berlin: BerlinVerlag) 2007]
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