domingo, 16 de novembro de 2014

proust

Reli uns trechos dessa curta monografia de Samuel Beckett quando me preparei para uma conversa sobre Joyce e Proust tempos atrás (para me ajudar usei também o "Días de lectura"). Dias atrás, após terminar "Así empieza lo malo", do Javier Marías, senti que precisava uma vez mais dos argumentos de Beckett sobre Proust para comparar sua técnica com a de Marías (mas sobre isso vou escreverei depois, quando publicar um registro de leitura desse seu último - e grande - livro). Bueno. Lembro-me bem do assombro que experimentei quando li "Proust" pela primeira vez, em meados dos anos 1980 (tratava-se de uma tradução feita pela seminal Arthur Nestrovski, agora republicada pela Cosac & Naify). A síntese de Beckett demonstrava associações e apontava caminhos de leitura no livro que aquela minha encarnação de neófito leitor de Proust mal alcançava compreender (de qualquer forma as camadas de entendimento apenas se acumulam, nunca deixaremos de encontrar algo poderoso e mágico naquelas páginas). Beckett produziu esse texto por encomenda, em função de um estágio acadêmico seu na École Normal, de Paris. Posteriormente ele lamentaria o que ele chamou de "jargão filosófico chamativo e barato" de sua prosa juvenil (ele tinha 25 anos quando publicou o ensaio). Paciência. Becket faz uma leitura do ciclo "Em busca do tempo perdido" de Proust utilizando-se de associações com textos curtos de Schopenhauer e Calderón de la Barca (e também Baudelaire, Dante, Racine, Shakespeare, D'Annunzio e os gregos, sempre.) Ele não conta detalhadamente as histórias dos livros de Proust, nem tampouco faz considerações morais sobre o mundo criado por ele. O que ele oferece ao leitor é um foco sobre as cenas que são chaves na construção do romance, desperta a atenção ao que é importante ser notado na narrativa (os discursos sobre o hábito, a flora, o tempo, a música, a mentira, a ilusão da amizade, o valor da intuição). E também enfatiza os mecanismos de construção do romance, louvando os valores estéticos das soluções inventadas e/ou encontradas por Proust, apoiando o fato de Proust nunca ser panfletário ao abordar questões que tenham injunções sociais. Beckett tornou-se um mestre na economia das palavras, no poder das metáforas, ensinou-nos a nos debruçar sem medo no abismo a que nos levam os dilemas fundamentais da existência humana. Nada daquilo que ele nos oferece sobre Proust é dispensável. Assim, quando abrimos o livro e nos deparamos com sua primeira frase: "A equação proustiana nunca é simples.", é como se um admirável mundo novo desabrochasse a nossa frente. 
[início: 13/07/2014 - fim: 03/11/2014]
"Proust", Samuel Beckett, tradução de Arthur Nestrovski, São Paulo: editora Cosac & Natify, 1a. edição (2003), brochura 13x20 cm., 104 págs., ISBN: 978-85-7503-187-2 [edição original: Proust (London: Chatto & Windus (the Dolphin Books) 1931, primeira edição em português: (Porto Alegre: LP&M) 1986]

Nenhum comentário:

Postar um comentário