quarta-feira, 15 de abril de 2015

primavera do cão

Esse certamente é o mais compacto dos romances de Patrick Modiano que li. O sempre dúplice narrador de Modiano conta os fatos que lembra de um fotógrafo chamado Francis Jansen, que teria sido amigo de Robert Capa. O narrador convive com Jansen apenas os meses de uma primavera quente de meados dos anos 1960. O que aproxima os dois, narrador e personagem, é aquilo que podemos chamar de ambição literária (ou procedimento literário) de Modiano: o trabalho documental de registrar e catalogar informações para que as pessoas e as coisas não desapareçam sem deixar vestígios. Após ter sido  casualmente convidado por Jansen para participar junto com uma namorada de uma sessão fotográfica, o narrador passa a frequentar o ateliê de Jansen e decide catalogar o disperso acervo fotográfico do sujeito. Jansen percebe que o rapaz, um aprendiz de escritor, talvez alcançasse em seus escritos aquilo que ele tinha como objetivo no ofício do fotógrafo, fundir-se à paisagem e tornar-se invisível (capturar a luz natural, dizia). Jansen e o narrador operam assim uma espécie de sinestesia vivida. Após os três meses de primavera Jensen embarca para seu exílio voluntário no México e desaparece, nunca mais dá notícias. Após trinta anos o narrador decide escrever um livro onde cataloga as últimas lembranças que tem daquele sujeito: um relacionamento amoroso conturbado; o fato do marido de uma amante sua talvez ter sido um agente nazista durante a guerra; a melancólica festa de sua despedida; um último passeio por Paris que fazem juntos; uma visita ao campo, onde ele reconhece a paisagem de algumas fotografias (que se perderam todas, certamente, só existem em sua memória). Por uma associação dos diabos lembrei-me de um livro de Javier Marías, "Negra espalda del tiempo", em que um narrador conta a história de escritores que desaparecem, voluntariamente ou não, em lugares remotos, longe de casa. No caso de Marías ficamos sabendo as circunstancias da morte do escritor Wilfrid Ewart, no México, numa noite de ano novo; no caso de Modiano em "Primavera do cão" o narrador não se dá ao trabalho de inventar o futuro para seu personagem, preocupado que está apenas em seu passado. Interessante.
[início - fim: 14/04/2015]
"Primavera do cão", Patrick Modiano, tradução de Maria de Fátima Oliva do Couto, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição (2015), brochura 13,5x21 cm., 110 págs., ISBN: 978-85-01-10306-2 [edição original: Chien de printemps (Paris: Editions du Seuil) 1993]

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