segunda-feira, 11 de abril de 2016

el levante

Publicado originalmente em 1990 "El Levante" foi escrito por Mircea Cartarescu entre 1987 e 1989, período em que a Romênia estava nos estágios finais da desastrada ditadura comunista presidida por Nicolae Ceausescu. Originalmente tratava-se de um extenso poema épico, com seus 7000 versos alexandrinos divididos em doze cantos. Posteriormente (não consegui apurar esta informação com precisão, talvez em 1998) Mircea Cartarescu metamorfoseou sua epopeia em algo mais parecido com um romance, uma narrativa em prosa, que mantém várias e longas inserções poéticas do original (ele imaginou que esse procedimento facilitaria as traduções de sua história). Entendi no prólogo incluído no livro (assinado por Carlos Pardo) que a versão em prosa é substancialmente diferente da original, pois essa teria sido inspirada e teria alcançado o efeito produzido por James Joyce em um dos episódios de seu "Ulysses" (O gado do Sol), sendo afinal um exercício linguístico sobre o romeno completo e poderoso. "Levantul" (no original romeno) é um conto de fadas, um livro de aventuras, o divertido roteiro de uma história em quadrinhos, um exercício brutal de pós-modernismo. Mesmo com tudo aquilo que deve estar "lost in translation", primeiro do romeno para o espanhol (obra da tradutora Maria Ochoa), e depois deste para o português (minha tradução mental afinal de contas), ri o tempo todo e consegui entender parte das alusões, jogos de palavras, citações da cultura pop, referências filosóficas e literárias distribuídas pelo livro. Há várias camadas de leitura (Cartarescu é um professor universitário e trabalha justamente com teoria literária, crítica, história da literatura romena). Assim como nos romances de Umberto Eco encontramos fusões entre o erudito e o popular. Ao lado de uma digressão sobre Diegese (por Bakhtin) ou Clínamem e Téssera  (por Harold Bloom) ou ainda sobre o Aleph (por Borges), seguem-se diálogos banais de personagens que parecem pertencer ao universo de Homero, Cervantes, Robert Louis Stevenson, Jonathan Swift e Júlio Verne; parecem brotar das histórias das 1001 noites contadas por Sherazade para o Sultão. Há vezes em que a ironia do autor parece endereçada a algum contemporâneo seu (talvez a um mau escritor ou mau político, quem sabe). A cada um dos doze cantos acompanhamos os sucessos da viagem de Manoil, um poeta, rumo a uma Bucareste tiranizada, seguindo o caminho que um dia Jasão fez com seus argonautas em busca do Velocino de Ouro, das ilhas gregas do Mar Egeu às enseadas do Mar Negro. Ele progressivamente arrebanha um grupo de revolucionários, todos comprometidos com a libertação dos Valacos, seu povo, dominado por invasores romanos. Segundo o projeto revolucionário deles é o mundo oriental quem liberta. Em algum momento Cartarescu é abduzido para o poema e passa a interagir com os personagens e auxiliá-los nas façanhas heroicas. Quase no final do poema o próprio sujeito que lê (eu, no presente caso) é incluído no livro e se entende com os protagonistas da história. Faz-se um balanço crítico do resultado poético e da empreitada revolucionária, entre taças de café ("o espelho negro do qual nasce o poema", diz um dos narradores) e Jidvei (um vinho popular romeno), reunidos todos ao redor do fogo, como todos os povos fazem quando querem ouvir um poeta contar suas histórias, um aedo recitar seus versos. É um 30 de outubro, a mulher do escritor serve petiscos. O bebê, filho do escritor, finalmente dorme. Alguém encontra um livro, já desgastado pelo tempo, perdido num berço, o abre, começa a ler a história, infinitas vezes. Bem divertido esse Cartarescu. Taruki! Paluki?
[início: 04/03/2016 - fim: 08/04/2016]
"El Levante", Mircea Cartarescu, tradução de Maria Ochoa de Eribe Urdinguio, Madrid: editorial Impedimenta, 1a. edição (2015), brochura 14x21 cm., 237 págs., ISBN: 978-84-15979-38-8 [edição original: Levantul (Bucaresti: Cartea Romanesca), 1990]

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