Desde
meados dos anos 1970, quando comecei a ler com método e disciplina,
nunca me preocupei muito com o gênero, extensão, idade ou nacionalidade
dos livros que me caem às mãos. Claro, aprendi cedo (e foi com a Dorothy
Parker) que há livros que ao invés de serem abandonados
displicentemente na estante e esquecidos merecem sim ser jogados pela
janela, com fúria. Neste "Livros que eu li" é raro que eu fale
muito mal de algum livro, pois desde o momento em que decido continuar
com a leitura e terminá-la, sei que há algo neles que pode ser
registrado, por mais ruim que tenha sido a experiência. Não é o caso
deste "A pedido do embaixador". Que livro absurdo. Fernando
Perdigão deve ter
ficado algo intoxicado após assistir muitas séries policiais na
televisão ou lido toda uma coleção de romances policiais e resolveu
escrever o seu. Inventou um protagonista, um detetive ("incorrigível"
diz ele, informação que o editor achou importante incluir na capa).
Todavia, o que o leitor encontra no tal detetive Andrade é uma
caricatura patética, um personagem sem nenhum vestígio de
verossimilhança e que não se presta nem para fazer o leitor dar boas
risadas do absurdo da coisa toda. O elenco de personagens coadjuvantes
brota completo de um manual de fórmulas para o gênero: um aprendiz (no
caso uma aprendiz, uma inspetora recém promovida); um chefe que despreza
seu comandado; um informante com contatos tão decisivos quanto
improváveis; uma empregada cínica que é boa cozinheira; uma namorada que
é prostituta nas horas vagas. Tudo é previsível, a trama é repetida e
resumida para o leitor várias vezes, mas é frouxa e mirabolante demais. O
narrador arrasta o leitor por páginas sem fim apenas para dar
oportunidade e palco para o detetive pontificar com seu rosário de
comentários homofóbicos, racistas e misóginos, xenófobos e machistas;
repetir piadas de duplo sentido; disparar ameaças em todas as direções;
explicitar mil vezes seus preconceitos, intratabilidade, truculência e
inadequação social. Acho as iniciativas e leis politicamente corretas
uma marca negativa de nosso tempo, sobretudo no Brasil, onde qualquer
tentativa de uniformização
social está fadada ao fracasso. Paciência. O mundo real e o mundo dos
livros
estão repletos de lorpas, de pessoas grosseiras e irascíveis, selvagens
ou abobalhadas, limitadas e patéticas com as quais é possível conviver,
porém o que Fernando Perdigão criou é apenas um pastiche que serve para
nos lembrar das muitas vantagens da boa educação. E é só por
isso que registro seu livro aqui. Vamos em frente (afinal o Nabokov já
nos ensinou que não devemos nunca levar personagens literários a sério).
[início: 30/06/2016 - fim: 18/07/2016]
"A pedido do embaixador: Um caso ordinário do incorrigível detetive Andrade", Fernando Perdigão, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição (2015), brochura 13,5x20,5 cm., 239 págs., ISBN: 978-85-01-10479-3
Gostaria que me explicasse o que para você é "ler com método e disciplina ". Qual seu método?
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ResponderExcluiroi paulo, como vais?
minha disciplina é ler todos os dias, pelo menos duas ou três horas, sem interrupções grandes.
meu método é ler vários livros simultaneamente, para não me entediar. quando me aborreço de uma história/livro pego outro, se sentir saudades daquela primeira história volto, caso contrário abandono de vez (mas é raro). Faço listas do que li e do quero ler.
abraço meu caro.
Entendo...mas como você consegue ler tantos livros com as várias leituras em simultâneo? Acompanho seu blog e sempre há atualização. Eu imaginava que você lia um único livro e, pondo em prática seu método de ler 2,3 horas/dia, os leria bem rápido...
ResponderExcluirEu sempre amei ler. Infelizmente na minha cidade natal, Floriano-PI, não tínhamos acesso a uma boa biblioteca. Quando me radiquei na Bahia, fui morar numa cidade minúscula, Sento Sé, e lá tinha uma razoável: em um ano li quase tudo. Era 1995.
Depois mudei para Juazeiro-Ba onde vivo até hoje, e busquei os livros. Infelizmente, por não incorporar uma disciplina, perdi muito tempo valioso e não li as obras que tencionei à época. Hoje, com o advento dos ebooks, felizmente tenho acesso à literatura gloriosa, na ponta dos dedos, embora de vez em quando pegue para ler um livro impresso, para variar a leitura no meu Kindle/IPad. Estou com 36 anos e estou correndo atrás do tempo perdido. Este ano já li obras que sempre sonhava, mas o tamanho do livro me desestimulava. Li O conde de Monte Cristo, David Copperfield, Grandes esperanças e estou terminando Guerra e Paz, entre outros. Tudo que leio faço resenhas, que publico no Instagram, e já estou nessa maratona desde 2013!