Otavio Frias Filho é jornalista, diretor de redação da Folha de São Paulo. É um ensaísta invulgar e dedicou-se nos anos 1990 (até pelo menos o início dos anos 2000), também a escrever textos dramáticos. Neste volume estão reunidas seis peças de teatro suas: "Tutankáton" (de 1990), "Rancor" (1992), "Típico romântico" (1991), "Sonho de núpcias" (2002), "Utilidades domésticas" (1992) e "Breve história de uma perversão sexual" (2004). Esta última ele chama de farsa. "Tutankáton" e "Utilidades domésticas" tiveram leituras dramáticas, não encenações. As demais passaram pelo crivo do público, já foram encenadas algumas vezes cada uma (no caso da última das peças: "Breve história de uma perversão sexual", apenas alguns episódios foram de fato encenados). Não vi nenhuma dessas encenações e/ou leituras dramáticas. A leitura das peças é interessante. "Tutankáton" discute a conversão ao monoteísmo experimentada por um faraó da XVIII dinastia, Amenófis IV. Quem já leu "O egípcio", romance do finlandês Mika Waltari, ou viu o filme homônimo dirigido pelo Michael Curtiz (como todo mundo da geração de Frias, que é a minha, fez), aproveita melhor a peça. O autor faz um paralelo entre aquela conversão e a dissolução da URSS. "Rancor" é um jogo, onde se contrasta o mundo do jornalismo com o da academia, o mundo do talento genuíno e o das panelinhas artísticas. É um texto explicitamente centrado da teoria da angústia da influência, de Harold Bloom. A peça é uma caricatura de nosso provincianismo entranhado, de nossa vocação para o narcisismo. "Típico romântico" trata de jogos amorosos e de perversões familiares, lembra o esquema de leitura do mundo contemporâneo que encontramos nas peças de Edward Albee. A caricatura social criada por Frias Filho acontece a beira-mar. Os espectadores parecem ser os analistas leigos dos protagonistas que, quase desnudos na praia, contam suas misérias. Já "Sonho de núpcias" é uma história de detetives, fala das mentiras que os casais contam. Parece algo influenciado pelo absurdo das pecas de Ionesco, mesclado com aquele conto de Ryūnosuke Akutagawa, " Rashomon", em que os personagens contam suas versões de um mesmo acontecimento. "Utilidades domésticas" é uma comédia, mas também um terrível conto de fadas sobre o amor entre iguais e sobre como no amor improvisações apenas retardam o inevitável. O autor faz brotar no palco um sincretismo farsesco, um pai de santo que reorienta os destinos dos personagens, como se fosse um demiurgo tosco e enganador. Por fim, "Breve história de uma perversão sexual", que é assinada em conjunto com o também jornalista Marcelo Coelho, encontramos um conjunto de seis esquetes dramáticos. São lições satíricas, feitas por encomenda para um clube fetichista de São Paulo. Acompanhamos uma espécie de história do sadomasoquismo, transgressões sexuais e da emancipação feminina, desde a pré-história (uma história dos hominídeos e a descoberta do fogo) e até o mundo contemporâneo (uma história de espionagem e de um quase Armagedon tecnológico). No fundo estes dois episódios, o primeiro e o último da peça, são duas micro versões bestas de filmes do Kubrick. As demais passam cronologicamente pelo império romano (e a devassidão); histórias de piratas (e o masoquismo); revolução francesa (e o sadismo) e a ascensão da psicanálise (e o sufragismo). Para mim o resultado é uma história do mundo para impúberes emocionais. Certamente o impacto de assistir as peças num teatro, acompanhar o jogo cênico de claridade e escuridão, ouvir as modulações de voz e ver a expressão dos atores provoca no espectador algo que o leitor apenas intui. Como exercício intelectual cada uma das peças oferece reflexões interessantes, algumas talvez datadas, já superadas pela velocidade das transformações sociais, outras ainda a serem entendidas melhor por cada um de nós, homo sapiens sapiens deste curioso início de século XXI.
[início: 06/01/2017 - 21/01/2017]
"Cinco peças e uma farsa", Otavio Frias Filho, São Paulo: editora Cosac Naify, 1a. edição (2013), brochura 13,5x23 cm., 319 págs., ISBN: 978-85-405-0468-4
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