"Tentativas de fazer algo da vida" é um romance escrito na forma de diário. Acompanhamos os dias de um senhor idoso, oitenta e três anos, que vive em um asilo holandês, em Amsterdam. O ano é 2013. O narrador é um sujeito observador, perspicaz, ainda bastante lúcido e com mobilidade. Não é exatamente um interno. Assim como boa parte dos moradores do asilo, que é privado, ele pode sair livremente. Sua renda de aposentado é pequena, mas o asilo onde mora está longe de ser o mais modesto de seu país. O leitor descobre em algum momento que ele foi casado e que teve uma filha, que essa filha morreu jovem e sua mulher está internada em um outro asilo, em coma ou bastante debilitada por alguma doença neurológica, que visita esporadicamente (no ano do diário, uma única vez). O tom dos registros é sempre realista, nunca professoral, não há digressões filosóficas ou divagações sociológicas que ultrapassem o senso comum. Essa objetividade é o que sustenta o livro, que de resto é repleto de informações ligeiras, dados estatísticos sobre a economia e demografia holandesa, trivialidades de almanaque. O narrador fala de política, cultura, religião e economia; contrasta os marcos históricos mais visíveis do ano com os sucessos rotineiros do asilo. Se de um lado comenta a escolha do novo papa, o início do Tour de France, a coroação de um novo rei da Holanda, a pressão
migratória de árabes e os acordos pré-eleitorais de seu país, também registra suas visitas ao médico, seu questionamento sobre as possibilidades da eutanásia, além das manias, comportamento, discussões e brigas, acidentes, mortes e os vários estágios das doenças de seus colegas internos. Em algum momento do ano o narrador e mais uns poucos amigos formam um grupo e passam a organizar passeios e jantares (a crise é dura e o futuro incerto, mas para se viver um pouco de hedonismo é necessário). A administração do asilo obviamente não aceita pacificamente as ações do grupo rebelde, contestador das normas e procedimentos institucionais. O sarcasmo dos registros de seu diário é dirigido mais a ele mesmo que aos demais moradores do asilo. Enfim, o que o livro oferece é uma exposição ficcional da realidade da velhice, da quase impossibilidade de nos prepararmos adequadamente para a decrepitude, solidão e morte, ou seja, "La vecchiaia è bruta" (coisa que certamente qualquer descendente de italiano ouviu dos avós ou dos pais quando era criança).
[início: 06/01/2017 - 17/01/2017]
"Tentativas de fazer algo na vida", Hendrik Groen, tradução de Mariângela Guimarães, São Paulo: Editora Planeta do Brasil (selo Tusquets), 1a. edição (2016), brochura 15x22,5 cm., 363 págs., ISBN: 978-85-422-0881-8 [edição original: Popingen iets van het leven te maken (Amsterdam: J.M. Meulenhoff), 2014]
Rapaz, gostei demais do tema, vou ser obrigado a adquirir o livro! Abração.
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