No mês passado, no 16 de junho, domingo, ao contrário do que tinha feito reiteradamente durante trinta anos, resolvi não participar em um lugar público de uma festa literária que realmente me agrada, o Bloomsday. Estava aborrecido, casmurro demais, com questões ainda não resolvidas em minha vida, cansado. Não era hora de eventualmente ofender pessoas susceptíveis a meus caprichos, a meu humor variável, a meu eu irascível. Decidi ficar apenas com as meninas, Helga e Natália; com os gatos, Salen, Lilica, Kyo, Sissy e Nicolau; com os livros de minha biblioteca, sobretudo os livros de Joyce; com meu Bushmills; com a música de Marcelo Tápia e seus Irish Dreams. Um dos livros ao qual sempre retorno nesses festejos do Bloomsday é "A Bloomsday Postcard", de Niall Murphy, publicado originalmente no centenário do dia dedicado a comemorar os sucessos narrados no "Ulysses", que é o 16 de junho de 1904. Trata-se de um volume onde estão registradas reproduções de 252 cartões postais que foram enviados ou recebidos em Dublin em 1904. Murphy, um velho antiquário e comerciante de livros irlandês, reuniu esses 252 cartões e aproveita, tanto a imagem/ilustração quanto o texto escrito pelos remetentes, para falar da Irlanda, de Dublin, do povo irlandês, dos personagens literários que gravitam James Joyce, dos incidentes e passagens que são narradas no Ulysses. O resultado é muito especial. O leitor é conduzido pelos capítulos do Ulysses, enquanto Murphy mostra as associações que existem entre o texto do livro de Joyce e os múltiplos signos dos cartões postais. Um dos capítulos mais interessantes é aquele dedicado às Rochas Serpeantes, as Wandering Rocks, que Murphy metamorfoseia em Wandering Characters. Nesta parte do livro todos os postais fazem alusão a passagens específicas do livro e são apresentados verbetes em ordem alfabética de uma miríade de personagens nele citados. O leitor não precisa ser um aficionado pelo mundo literário de Joyce para aproveitar "A Bloomsday Postcard". Basta ter alguma curiosidade sociológica sobre a Irlanda e os irlandeses do início do século passado para garantir horas de diversão. Deve-se lembrar que praticamente não existia comunicação via telefone naquela época e o uso de cartões postais era uma forma popular, prática e efetiva de contato entre as pessoas. Segundo Murphy em Dublin ocorriam seis entregas diárias de correspondência de segunda a sábado (e uma aos domingos). Impressionante. A edição (da boa Lilliput Press) é uma maravilha, de excelente qualidade. Um dia com um livro como este não é um dia perdido. De resto, vamos a ver o que acontecerá no Bloomsday do ano que vem. Vale!
Registro #1426 (livro de arte #30)
[início: 01/06/2019 - fim: 16/06/2019]Registro #1426 (livro de arte #30)
"A Bloomsday Postcard", Niall Murphy, Dublin/Ireland: Lilliput Press, 1a. edição (2004), brochura 17x24 cm., 322 págs., ISBN: 978-1-84351-43-X
Mto bom post, caro Guina.
ResponderExcluirSegui teu conselho, já comecei o Dubliners e olha, estou gostando dos contos!
Prossigamos!