Publicado originalmente em 1990, "Ensaio sobre a jukebox" é uma curta e estranha novela, que trata sobretudo de obsessões e do ofício de escrever, de como criar literatura e do distanciamento que um autor precisa ter dos avatares que se tornarão personagens das cousas que cria. Esse volume faz parte de um conjunto de cinco ensaios publicados entre 1984 e 2013 por Peter Handke, austríaco que recebeu o prêmio Nobel de 2019. O narrador conta a história de um sujeito obcecado por jukeboxes, um sujeito que prefere seguir seu projeto de escrever um livro sobre os significados que as jukeboxes tiveram em diferentes fases de sua vida, ao invés de experimentar in loco as transformações decorrentes da queda do Muro de Berlim. O narrador percorre cidades espanholas: Soria, Burgos, Zaragoza, San Sebastian, Logroño, mas também faz o censo de todas as cidades do mundo que frequentou e encontrou jukeboxes (que, convenhamos, já era um objeto difícil de se encontrar no final dos anos 1980, convenhamos). Lembrei-me dos meses em que vivi na Espanha, justamente neste mesmo final dos anos 1980, e de meu estranhamento com as máquinas de jogos de azar, uns caça-níqueis luminosos, coloridos e barulhentos que encontrava em todos os botecos de tapas e restaurantes que frequentava. Lembrei-me de Cees Nooteboom, que também viajou curioso e encantado pela meseta castelhana, de Javier Marías, também ele um frequentador de Soria, do tempo onipotente com sua ampulheta, das cicatrizes físicas e morais que todo corpo que envelhece guarda. Haverá mais Handke por aqui. Vale!
Registro #1489 (novela #74) [início 28/01/2020 - fim 29/01/2020]
"Ensaio sobre a jukebox", Peter Handke, tradução de Luis S. Krausz, São Paulo: editora Estação Liberdade, 1a.
edição (2019), brochura 14x19 cm, 112 págs. ISBN:
978-85-7448-310-8 [edição original: Verusuch über die Jukebox, Suhrkamp Verlag (Frankfurt am Main, Alemanha), 1990]
Grande Guina! Estava preocupado com seu silêncio por aqui! Saudades de ler tuas cousas, como sempre instigantes. Agora, em relação ao autor, confesso que criei uma antipatia por tanto que li falando mal do sujeito. Isto não deveria embotar a curiosidade de lê-lo, mas já andava decepcionado com o falso moralismo da Academia, e ainda mais com controversa indicação do Peter. Que dizes?
ResponderExcluirGrande Paulo, tudo certo? Nas férias sempre viajo. Tirei uns dias na África do Sul, veja só, depois escreverei sobre isso. Também li as notícias sobre a má fama do Peter Handke, mas eu tenho a não levar isto em conta. O mundo está muito moralista e cheio de gente que parece gostar de escravos mentais, é não de gente que pense por si só. Se é que me lembro bem defendeu o lado Servio na guerra da Yugoslávia/Bósnia. Lembro-me que o Juca Kfouri e o ex-jogador Petković fizeram o mesmo em um programa aqui, mas isso não rendeu críticas e boicotes a ambos. Li 3 livros do Handke, mas próximas semanas escrevo mais sobre ele. E você. De vez em quando leio tuas postagens. Sou meio canalha em não comentar no teu blog. Grande abraço e grande ano.
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