Estive na Bienal do livro de São Paulo e, claro, fui ao estande da Cosac & Naify. Don Renato Cohen sempre me pede para esperar a queima de livros da Cosac que acontece em novembro dentro do campus da USP, mas eu sou um incorrigível gastador. Namorei uns tantos, mas acabei comprando apenas dois, um romance curto de Samuel Beckett e este "Uma criatura dócil", romance igualmente curto de Fiódor Mikhailovitch Dostoiévski. Já faz tempo que ando pensando nos russos e estou devendo o início desta travessia literária, mas contorno a montanha e não me atrevo a enfrentá-la. Sou o fiel depositário de três tijolos de don Renato: Os demônios, Crime e Castigo e Os Irmãos Karamazov, ainda vou cumprir a promessa e lê-los na seqüência. Para afiar os dedos peguei "uma criatura dócil", romance que o autor chamou de "narrativa fantástica". A edição é muito bonita, claro, com ilustrações de Lasar Segall e dois ensaios que contextualizam o texto e as ilustrações. A história é simples, um sujeito ganha a vida em uma casa de penhores, explorando clientes e desesperos. Uma moçinha penhora um ícone da Virgem e para resgatá-la (pois trata-se do único objeto importante para ela) acaba por se casar com o vil proprietário da casa de penhores. Mais que um casamento o que se pactua é um sistema de humilhações cotidianas e degradações morais, pois há mais assimetrias entre eles que um afeto pode mitigar: assimetrias de classe, de idade, de poder (e claro, sexo.) O narrador é o agiota, transtornado, louco. Retrospectivamente ele tenta explicar como seguiu (por vezes acredita ter sido quase a contragosto) a espiral de assédio moral que obrigou sua mulher a buscar desesperadamente saídas radicais. Dostoiévski nos ensina como a opressão funciona mesmo nas relações mais cotidianas e como é difícil para um tirano e sua vítima escaparem da sina que os une. Belo livrinho.
"Uma criatura dócil", Fiódor Dostoiévski, tradução de Fátima bianchi, editora Cosac & Naify, 1a. edição (2003) brochura 13.5x20cm, 96 págs., ISBN: 978-85-7503-197-X
Oi! Parece que esse "livrinho" é mesmo muito legal. Já era de se esperar, tomando por base a autoria. O enredo me lembrou muito o filme "O cheiro do ralo". Talvez algumas relações possam ser traçadas entre essas duas linguagens, a do cinema e a da literatura, no que concerne tal tema.
ResponderExcluirAbração!
Eu já li "Crime e Castigo", um primor das letras. Mas ainda estou devendo Os Possessos e Os Karamazov. Ai de mim!
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