“Dia de Finados” é um belo romance de Cees Nooteboom. É um livro bem mais longo que os dois romances anteriores que li dele. As primeiras cem páginas são muito herméticas, obscuras mesmo, e eu tive de me esforçar muito para entender o que estava acontecendo, mas da mesma forma como repentinamente discernimos formas e cores em meio a uma espessa bruma matinal, de algum ponto em diante no romance tudo passou a fazer sentido, os personagens se materializaram (eles já estavam ali quase como fantasmas), o enredo se desdobrou. Um documentarista free-lancer, Arthur Daane, tem como projeto autoral fixar (em imagens e sons que filma e grava o tempo todo no livro) momentos quase imateriais, como o lento desaparecimento de pegadas sobre a neve, o ar se condensando próximo a nós em um dia muito frio, o gelo se formando sobre a superfície tépida de um lago, a amplidão de lugares públicos vazios. Há uma presença forte da morte e da perda neste livro. A mulher do personagem principal e seu filho morreram recentemente em um acidente de avião. Deslocados do texto principal vários acidentes, violências, descuidos e mesmo vontades ceifam os homens e as mulheres, personagens aos quais mal fomos apresentados. O livro se passa basicamente em uma Berlin invernal nos tempos imediatamente seguintes a queda do muro (início dos anos 1990), mas há algo sobre as rixas entre a Holanda e Alemanha, bem como sobre as rivalidades entre a esta última e a Rússia ou sobre o contraste entre o tradicional e o novo no Japão. Nooteboom gosta de simetrias (acho que isto também é um padrão nele), os personagens por vezes viajam pelo livro e pela Berlin enevoada seguindo os pontos cardeais. O restaurante onde os personagens principais se encontram lembra um tanto “La Colmena”, do Camilo José Cela. Seus amigos são Arno, um filósofo; Victor, um escultor; Zenóbia, uma física/astrofísica russa. Todos muito intelectuais e sofisticados, discutindo filologia, o sentido da vida, a política de seu tempo, a vida pessoal de cada um. O estranhamento e o deslocamento, a orientação vaga que temos durante as viagens, a experiência religiosa, o mundo acadêmico, a presença da Espanha, também são temas presentes no livro. Mas o que emerge da trama é a busca do entendimento do mundo feminino, afinal não estamos sempre a seguir uma mulher, falando algo seu nome, como um mantra? Uma mulher jovem aparece no livro. Ela estuda um período obscuro da história espanhola, quando uma rainha, Urraca, dominou León e Castela. Ala putcha! Como a Espanha sempre dá um jeito de aparecer nos livros de Nooteboom! A mulher aparece e desaparece de seu cotidiano como as imagens fugidias que ele perseguia no início do livro. Conhecer de fato esta mulher passa a ser a nova obsessão do documentarista. Nada transcendental, mas honesto e instigante. Gostei.
"Dia de Finados”, Cees Nooteboom, tradução de José Marcos Macedo, editora Companhia das Letras, 1a. edição (2001), brochura 14x21cm, 345 págs. ISBN: 85-359-0146-9
Como é que tu tem tempo de ler tanto?
ResponderExcluirSério... Quero ser assim quando eu crescer!! Me ensina!!
Abraço!
Aqui também uma resenha sobre Dia de Finados.
ResponderExcluircaro Guiña,
ResponderExcluiracabei de ler o romance do Noteboom, um livro acima de todas as expectativas, das melhores que encontrei nestes tempos tenebrosos. te devo este deleite, há tempos não topava com algo tão denso e tão delicioso. amanhã publico minhas impressões abraços!