O elBulli é um dos mais conceituados restaurantes do mundo. Talvez não seja o mais caro, nem o mais sofisticado, nem mesmo o primeiro a alcançar e manter por longo tempo as três estrelas do Guia Michelin (manual de auto-ajuda dos gastrônomos endinheirados deste mundo), mas certamente é um dos mais badalados. Ele fica na Costa Brava catalã, perto da fronteira com a França. Fica aberto apenas metade do ano e somente 45 clientes conseguem ser admitidos por dia no salão. Isto dá mais ou menos 8.000 pessoas por ano e a fila de espera tem cerca de dez vezes este número. Como um restaurante alcança este status? Como o atávico e necessário ato de sair para comer tornou-se uma peregrinação digna das grandes religiões? Neste livro o jornalista alemão Weber-Lamberdière tenta explicar o fenômeno, descrevendo como Ferran Adrià induziu este processo e reinventou a cozinha contemporânea. Ele é quase uma unanimidade, mas tem lá seus detratores, como o também catalão e também três vezes estrelado Santi Santamaria, que questiona o uso de aditivos químicos na cozinha de seu colega. Eu, este menor dos anões paulista, acho que o que ele faz não é exatamente comida, mas sim entreterimento, teatro, show de variedades, arte até, talvez, mas o fato de sua arte ser comestível é um pequeno detalhe. O livro é escrito para ser fácil de ser lido, coisa de jornalista que conhece seu ofício. Rapidamente somos apresentados a história de Ferran Adrià, catalão, mas legítimo herdeiro da tradição gastronômica francesa, da "nouvelle cuisine", dos seminais Michel Guérard, Paul Bocuse, Alain Chapel, os irmãos Troisgros, Alain Ducasse, etcetera e tal. Ferran, que já tinha uma sólida formação como chefe de cozinha em 1984, quando assumiu os trabalhos no elBulli, lentamente, mas com intensidade, adaptou a "nouvelle cuisine" para o gosto catalão e mediterraneo, inovando-a radicalmente. O autor argumenta que hoje em dia "somente idéias" são servidas lá. É difícil dizer o que isto significa sem experimentar uma refeição, mas o livro tem lindas fotos das "espumas do mar", do "ravióli líquido", do "caviar de melão", dos "espetinhos de gelatina quente" e de tantos outros pratos coloridos e surpreendentes que fizeram a fama de Adrià. O livro não é uma biografia de Adrià mas um guia panorâmico da cozinha de vanguarda européia, fala também de tendências, dos manuais, dos livros, dos negócios cruzados, da industrial alimentícia, do papel da mídia. Inclui também um encontro entre Alain Ducasse e o grande costureiro alemão Karl Lagerfeld, que é muito divertido (o tema: criatividade, é mesmo próprio a muitos comentários patetas, estamos já um tanto cansados disto.) Recentemente Ferran Adrià e outros chefes espanhóis estiveram em São Paulo. Para participar do festival gastrônomico alguns viventes pagaram $5.000 reais (e disputaram a tapas o direito de gastar tudo isto.) O mundo está mesmo perdido!
“As revoluções de Ferran Adrià”, Manfred Weber-Lamberdière, tradução de Luciane Ferreira, L&PM editores, 1a. edição (2008), brochura 14x21cm, 188 págs. ISBN: 978-85-254-1792-3
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