Esta edição da Cosac Naify tem dois defeitos evidentes. Um é realmente importante: o fato do livro não reproduzir nenhum dos quadros de Francis Bacon em cores. O segundo está na orelha do livro, assinada por Gabriel Pérez-Barreiro, onde se diz que Francis Bacon era escocês, uma bobagem, pois sabe-se bem que o sujeito era um legítimo irlandês de Dublin, filho de mãe irlandesa e pai australiano, se é que isto importa saber-se. Bueno. Qualquer um que tenha tido a experiência de estar perto de um de seus quadros há de se lembrar da potência das cores, do impacto das dimensões, da exuberancia das formas, da originalidade dos seus - se é que se pode dizer assim - retratos e autoretratos. De perto vi quadros dele pela primeira na estival Madrid, sempre ela, ainda no início dos anos 1990. Depois os vi na Bienal de Artes de São Paulo de 1998. Já o conhecia de catálogos e livros de arte, mas este é um filtro que provoca um outro tipo de experiência, um outro tipo de educação dos sentidos. Este livro reproduz nove sessões de entrevistas realizadas entre 1962, quando Bacon tinha pouco mais de cinquenta anos, já senhor absoluto de sua arte, até 1986, com ele já quase octagenário, ainda produtivo e reflexivo sobre sua produção plástica. As entrevistas foram sempre feitas por David Sylvester, um jornalista e crítico de artes inglês bastante respeitado (ele chegou a ganhar um prêmio importante na talvez mais importante das bienais de arte, a da sereníssima Veneza, em 1993, exatamente pela curadoria da obra de Francis Bacon, que havia falecido no ano anterior). A reflexões de Bacon sobre arte e sobre sua produção são poderosas, se superpõe a cada entrevista e se complementam. Quando uma pessoa genuinamente inteligente fala sobre algo sempre deixa ao receptor de sua fala oportunidade e tempo para maturação das informações. Acredito até que mais que simplesmente informações o que Bacon e Sylvester produzem são mesmo idéias, que levam o interlocutor a pensar por si próprio. O livro é muito bem editado. Quase 150 ilustrações são distribuídas cronologicamente nele (pena que nenhuma em cores, preciso dizer uma vez mais). Bacon fala muito sobre o processo criativo, seus procedimentos para alcançar um resultado, sobre a evolução e possibilidades dos materiais. É um bom livro para ser apreciado por todo aquele que aprecia as artes plásticas e por todo aquele curioso sobre as infinitas possibilidades de entendimento do que é genuinamente humano. Vou marcar este livro na seção "perfis e memórias" mas poderia fazê-lo também na seção "livros de arte", sem prejuízo algum. [início 30/11/2009 - fim 02/12/2009]
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