"As pedras de Veneza" é o resultado das várias viagens e do trabalho dedicado de John Ruskin, um seminal historiador e crítico de arte inglês do século XIX. Seus ensaios sobre arte e arquitetura influenciaram marcadamente o mundo da alta cultura de seu tempo. Marcel Proust dedicou-se a traduzir alguns de seus textos e incluiu em seu "Em busca do tempo perdido" um tanto da estética rauskiana. Lembro de sempre associar os dois, desde minhas primeiras leituras do ciclo proustiano. Esta tradução brasileira foi publicada em 1992 e está esgotada há anos. Nesta recente empreitada de voltar ao ciclo teimei de simultaneamente conseguir algo do Ruskin. Só consegui este exemplar graças aos esforços de Maria Helena Barata, diligente proprietária de um
sebo na chuvosa Belém do Pará. O texto original de Ruskin é formado por três grandes volumes, publicados entre 1851 e 1853. O próprio Ruskin preparou uma versão abreviada do texto em 1881. A tradução brasileira é baseada na versão francesa produzida por Mathilde Crémieux em 1906, conhecida por ter feito cortes ainda mais consideráveis no texto original. Como disse um crítico especialista em Ruskin (Jean-Claude Garcias): "As pedras de Veneza" parecem sempre fadadas a uma particular seleção de páginas escolhidas, de recortes (para se usar uma expressão mais atualizada). Bueno. A versão brasileira, além dos prefácios e de uma boa introdução, contém oito capítulos e um glossário bastante completo, produzido pelo próprio Ruskin, que é usualmente incluído nas edições deste seu livro, conhecido como "Índice Veneziano". O primeiro dos oito capítulos é mesmo um assombro, pois ele fala da monumental cantaria utilizada na edificação da cidade. Os quatro seguintes tratam pela ordem da laguna (que ele chama de trono da cidade), das águas e dos canais; de Torcello (a provável cidade-mãe de Veneza); da basílica de são Marcos e do Palácio Ducal. Há um cruzamento contínuo de aspectos geográficos, históricos, arquitetônicos e estéticos nestes cinco capítulos iniciais do livro. Os elementos bizantinos, góticos e renascentistas da cidade são descritos e analisados por ele em detalhe. Os três capítulos restantes são mais técnicos que os anteriores, mais focados nas escolas arquitetônicas e engenharia da cidade. Neles ele descreve características da renascença, do que ele chama de renascença romana e da arte tumular, especialmente famosa da cidade. Mais que características ele se utiliza do que chama "elementos morais" que se uniram para formar estas arquiteturas, elementos como orgulho da ciência, orgulho de casta, orgulho do sistema e infidelidade. São digressões por vezes maçantes e densas, que confundem um leitor não especialista como eu. No índice veneziano ele passeia pelos pallazos, pelas chiesas, rios terra, fondamentas, museus, quadros, esculturas e as miríades de elementos arquitetônicos que ornamentam a cidade. Não é um livro exatamente fácil. Segundo os críticos há hipóteses e argumentos de Ruskin que são totalmente anacrônicos a luz do que se conhece sobre Veneza e sobre a Itália hoje, mas alguém deveria mostrar primeiro o caminho, desbravar primeiro a grande laguna, o grande canal e isto Ruskin fez com maestria. Qualquer pessoa que tenha visitado Veneza sabe o quanto é inútil tentar descrevê-la para quem não teve esta fortuna. O que Ruskin oferece é um encantamento, um sortilégio, uma espécie de guia para que possamos recordar e experimentar melhor a cidade. Por fim, sejamos gratos às pessoas que nos proporcionam felicidade, os adoráveis jardineiros de nossa alma. A Ruskin que produziu este livro, ao Proust que o plasmou em outra arte e uma vez mais a Maria Helena, que o fez chegar às minhas mãos!
[início 31/01/2011 - fim 21/01/2011]"As pedras de Veneza", John Ruskin, tradução de Luís Eduardo de Lima Brandão, São Paulo: editora Martins Fontes, 1a. edição (1992), brochura 15x20,5 cm, 210 págs. ISBN: 85-336-0104-2 [edição original: The stones of Venice (Kelmscott Press) 1851]