Não leia esta resenha caso você prefira não saber nada da trama e de eventuais detalhes do livro. Principalmente porque ninguém sabe quando é que o "O Cemitério de Praga" será traduzido e lançado no Brasil. Lançado quase simultaneamente à edição italiana original esta tradução espanhola saiu em dezembro de 2010. "El cementerio de Praga" é o último romance de Umberto Eco. Não é arrebatador como o "Pêndulo de Foucault" (meu favorito entre seus romances) nem estimulante como "O nome da rosa" (com o qual ele conquistou o mundo das letras há trinta anos). É um romance psicológico, que brinca histórias de espionagem, se ampara em miríades de fatos históricos, se apropria de personagens reais (quase todos loucos de pedra) e que fala da farsa da concepção de um famoso texto anti-semita, o execrável "protocolos dos sabios de Sião". Como sempre nos livros de Eco você pode se concentrar apenas na história ou desfrutar dos jogos literários e da erudição do autor. Vamos a ver. Há três narradores na história, três vozes, que ele inclusive grafa com fontes tipográficas diferentes. Um é o narrador que conta a história, as outras duas correspondem às consciências divididas de seu personagem principal, que ora é Simone Simonini, um sujeito com patente de capitão, falsificador renomado, ora é um abade chamado Della Piccola. Estes dois dividem um diário, que é lido e interpretado pelo narrador da história. Freud, o "inventor" da psicanálise, aparece no livro, explicando a Simonini alguns dos aspectos de suas teorias e procedimentos clínicos. A história propriamente dita se passa basicamente na segunda metade do século XIX e envolve a vida e os sucessos do notário (tabelião) e falsificador de documentos Simonini. Criado por um avô anti-semita ele cresce e passa a ser educado por padres jesuítas. Após trabalhar alguns anos para um rico tabelião de sua cidade ele é recrutado pelo serviço secreto piemontês e passa a produzir documentos falsos para os fins todos os fins. Com o tempo ele passa a produzir não apenas documentos avulsos, mas histórias e tramas inteiras, para os mais variados usos e práticas. As invenções são sempre mirabolantes, envolvendo conspirações cruzadas entre maçons, jesuítas, carbonários, judeus, protestantes, papistas e cristãos, incluindo os mais variados sentimentos anti-clericais, satânicos e anti-semitas. Partindo de sua Piemonte natal ele emigra para Paris. Sua carreira acompanha alguns dos fatos políticos europeus mais importantes da segunda metade do século XIX: as conspirações dos carbonários; as guerras de independência e de unificação italiana; a guerra franco-prussiana; a comuna de Paris; a aproximação entre a França e a Rússia. Sua "obra prima" é a produção de um documento para o serviço secreto russo que servirá de base, já no início do século XX, dos protocolos de Sião. O interessante neste personagem é que ele parece acreditar nas farsas que produz. O livro tem o ritmo de uma história de espionagem, algo na linha das conspirações da guerra fria inventadas por Ian Fleming por exemplo. Há também saborosas descrições gastronômicas, especialmente da culinária francesa, algo que sempre me faz lembrar o detetive Carvalho do Manolo Vazquez Montalbán. Há momentos que o livro dá mesmo fome. A psicologia freudiana e os mecanismos do inconsciente pairam sobre a trama do livro. Se não é o melhor livro dele ao menos tudo é divertido afinal de contas, especialmente para quem é vaidoso intelecutalmente e gosta de tramas eruditas intrincadas. O livro tem um bom número de ilustrações, reproduções de gravuras antigas, a maioria delas propriedade do próprio Eco. No final uma ironia final dele, com o acréscimo de um resumo e um quadro descritivo do livro que ele chama de "inúteis esclarecimentos eruditos". O sujeito sabe mesmo que o ofício da literatura só tem sentido se o autor se diverte. [início 13/01/2011 - fim 17/01/2011]
"El cementerio de Praga", Umberto Eco, tradução de Helena Lozana Miralles, Barcelona: editorial Lumen (Random House Mondadori), 1a. edição (2010), brochura 14x21 cm, 590 págs. ISBN: 978-84-264-1868-5 [edição original: Il cimitero di Praga, Bompiani (Milano), 2010]
Assim não vale, já começa a resenha com aviso anti-chatos. Não adiantou: li assim memso. Li porque quando passo por aqui, saio com várias referências e dicas de leitura, além de uma vontade enorme de ler.
ResponderExcluirTentei ler "O Nome da Rosa", mas a edição que eu peguei tinha imensas passagens em latim sem nota ou tradução. Desisti. Conhece uma boa edição para iniciantes?
Abraço.
olá
ResponderExcluira edição que eu tenho e li, a 16a., da nova fronteira, de 1984, veja só, não tem citações muito longas em latim, só uma ou outra frase ou título de livro, que é logo traduzido.
acho que ela vai te servir.
um abraço