Ainda em janeiro do ano passado eu havia
decidido reler o ciclo "Em busca do tempo perdido", de Marcel Proust,
como forma de comemorar meus cinquenta anos. Comecei pelos volumes bens
reeditados pela editora Globo a partir de 2006. Todavia eles não
conseguiram até agora produzir - sabe-se lá por quê - os dois últimos
volumes (este A Fugitiva e O tempo redescoberto). Voltei
então a meus surrados volumes de vinte e cinco anos atrás. Eles estão
bem amarelados, as folhas quase teimando em se soltar, mas ainda se
prestam aos prazeres da leitura. Metade de "A fugitiva" segue quase imediatamente os sucessos de "A prisioneira".
Após a intempestiva fuga de Albertine o narrador passa a alternar dois
sentimentos contraditórios: lamenta a perda dos prazeres de sua
companhia e se alegra com o tempo que poderá dedicar a seus projetos
literários. Mas como o hábito é um amigo cruel logo faz com que o ciúme
fale mais alto e o narrador passa a se esforçar por reencontrá-la.
Infelizmente, com o tempo, ele acaba tendo uma surpresa ainda mais atroz
que a confirmação de suas suspeitas em relação aos relacionamentos
amorosos de Albertine. A segunda metade do livro tem três capítulos
curtos que antecipam as revelações do último volume do ciclo. No
primeiro reecontramos Gilberte Swann, por quem um dia o narrador foi um
devoto apaixonado. Ela tornou-se uma herdeira muito rica, sutilmente
disputada por aristocratas, apesar dos preconceitos em relação a sua
ascendência judaica e do passado duvidoso de sua mãe. No segundo destes
capítulos o narrador finalmente visita Veneza com sua mãe, afastando-se
dos aborrecimentos mundanos e sofrimentos que a lembrança de Albertine
provocavam. Aparecem os primeiros argumentos sobre a implacável passagem
do tempo nos personagens (que serão explorados no volume final do
ciclo). Descobrimos que a velhice só não retira o desejo das pessoas. A geografia desta parte é algo confusa, mas
qualquer pessoa que já tenha tido a fortuna por flanar por Veneza
suspirá seus ais junto com o narrador. O capítulo final também apresenta
surpresas. Robert de Saint-Loup se casa com Gilberte Swann, de certa
forma unindo os dois caminhos da infância do narrador em Combray (os
caminhos de Swann e de Guermantes). Mas o Saint-Loup que reencontramos é
um personagem diferente. Mas sobre metamorfoses como esta, que mais de
surpreendentes são habilmente descritas pelo narrador, escreverei só após
reler "O tempo redescoberto". Comparado com todos os volumes
anteriores este tem um ritmo frenético, mas não pela movimentação dos
personagens e sim por toda a realidade que é imaginada. Com o material
que acumulou nos volumes anteriores Proust parece construir todo um
mundo novo em poucas páginas. Impossível não ficar encantado com o poder
de sua imaginação. [início 02/02/2012 - fim 09/02/2012]
"Em busca do tempo perdido: A fugitiva (vol.6)", Marcel Proust,
tradução de Carlos Drummond de Andrade, Porto Alegre: editora Globo, 6a.
edição (1983), brochura 14x21 cm, 214 págs. sem ISBN [edição original: Albertine Desparue (éditions Gallimard), 1927]
Boa forma de comemorar os 50 anos!
ResponderExcluirabraço, clara