sexta-feira, 10 de fevereiro de 2012

a fugitiva

Ainda em janeiro do ano passado eu havia decidido reler o ciclo "Em busca do tempo perdido", de Marcel Proust, como forma de comemorar meus cinquenta anos. Comecei pelos volumes bens reeditados pela editora Globo a partir de 2006. Todavia eles não conseguiram até agora produzir - sabe-se lá por quê - os dois últimos volumes (este A Fugitiva e O tempo redescoberto). Voltei então a meus surrados volumes de vinte e cinco anos atrás. Eles estão bem amarelados, as folhas quase teimando em se soltar, mas ainda se prestam aos prazeres da leitura. Metade de "A fugitiva" segue quase imediatamente os sucessos de "A prisioneira". Após a intempestiva fuga de Albertine o narrador passa a alternar dois sentimentos contraditórios: lamenta a perda dos prazeres de sua companhia e se alegra com o tempo que poderá dedicar a seus projetos literários. Mas como o hábito é um amigo cruel logo faz com que o ciúme fale mais alto e o narrador passa a se esforçar por reencontrá-la. Infelizmente, com o tempo, ele acaba tendo uma surpresa ainda mais atroz que a confirmação de suas suspeitas em relação aos relacionamentos amorosos de Albertine. A segunda metade do livro tem três capítulos curtos que antecipam as revelações do último volume do ciclo. No primeiro reecontramos Gilberte Swann, por quem um dia o narrador foi um devoto apaixonado. Ela tornou-se uma herdeira muito rica, sutilmente disputada por aristocratas, apesar dos preconceitos em relação a sua ascendência judaica e do passado duvidoso de sua mãe. No segundo destes capítulos o narrador finalmente visita Veneza com sua mãe, afastando-se dos aborrecimentos mundanos e sofrimentos que a lembrança de Albertine provocavam. Aparecem os primeiros argumentos sobre a implacável passagem do tempo nos personagens (que serão explorados no volume final do ciclo). Descobrimos que a velhice só não retira o desejo das pessoas. A geografia desta parte é algo confusa, mas qualquer pessoa que já tenha tido a fortuna por flanar por Veneza suspirá seus ais junto com o narrador. O capítulo final também apresenta surpresas. Robert de Saint-Loup se casa com Gilberte Swann, de certa forma unindo os dois caminhos da infância do narrador em Combray (os caminhos de Swann e de Guermantes). Mas o Saint-Loup que reencontramos é um personagem diferente. Mas sobre metamorfoses como esta, que mais de surpreendentes são habilmente descritas pelo narrador, escreverei só após reler "O tempo redescoberto". Comparado com todos os volumes anteriores este tem um ritmo frenético, mas não pela movimentação dos personagens e sim por toda a realidade que é imaginada. Com o material que acumulou nos volumes anteriores Proust parece construir todo um mundo novo em poucas páginas. Impossível não ficar encantado com o poder de sua imaginação. [início 02/02/2012 - fim 09/02/2012]
"Em busca do tempo perdido: A fugitiva (vol.6)", Marcel Proust, tradução de Carlos Drummond de Andrade, Porto Alegre: editora Globo, 6a. edição (1983), brochura 14x21 cm, 214 págs. sem ISBN [edição original: Albertine Desparue (éditions Gallimard), 1927]

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