São dez histórias, dez fantasias, como J.M.G. Le Clézio prefere chamá-las. A última delas é um tanto diferente das demais, já que se trata de uma espécie de posfácio ("Quase apólogo"), no qual ele narra o que o leitor pode entender como a gênese de cada uma delas. Le Clézio fala de suas viagens no metrô parisiense, um microcosmo de vida, de aventuras, de misérias e alegrias que eventualmente podem ser recolhidas por um observador atento e eventualmente podem ser transformadas em literatura, em ficção. Inspiradas pelo que se vê nos vagões do metrô as nove histórias surgem, inventadas ou compiladas, tanto faz. Mesmo em um mundo em que tudo, inclusive a vida, pode ser um espetáculo, pode ser consumido, qualquer história pode ser transcendental para quem as vive, mas são banais, irrelevantes e comuns para o mundo. Em "História do pé" uma garota experimenta uma vida monótona em Paris, mas descobre durante uma gravidez que há algo de grande valor em sua capacidade de amar; em "Barsa, ou Barsaq" dois jovens arriscam e testam seu amor ao fugir de uma vida miserável na África equatorial, tentando chegar a Europa (que também sabe ser miserável, mas metamorfoseada em outra forma, como todo mal); em "A árvore Yama" uma garota consegue sobreviver durante uma guerra civil (e salvar uma amiga) unindo-se espiritualmente a um grande baobá; em "L.E.L., últimos dias", Le Clézio sugere quais foram as circunstâncias que levaram a poetisa inglesa Letitia Elizabeth Landon até Gana, no ínício do século XIX, onde ela morre; em "Nossas vidas de aranhas" Le Clézio dá voz a uma legião de aranhas, escondidas em uma grande caverna, que velam os sucessos da passagem do tempo pela vida dos homens; em "Amor secreto" uma freire passa seus dias inventando histórias e registrando-as em livro, para lê-las para detentas de uma prisão; em "Felicidade" acompanhamos como num mundo pós-apocalíptico um sujeito conta sua conversão às verdades de uma espécie de messias e das perseguições, torturas e prisão que sofre em nome dele; em "Yo" um sujeito com algum grau de deficiência mental narra sua vida, seu mundo, seu entendimento das coisas e na última das histórias/fantasias, "Ninguém", a alma ou espírito de uma criança não nascida (cuja mãe foi morta em uma guerra civil) vaga por fronteiras violentas do mundo, fazendo o censo de outras mortes (algo que lembra aspectos do filme "Asas do desejo", do Wim Wenders). As histórias povoam geograficamente países que fizeram parte de impérios coloniais (franceses ou não): Senegal, Argélia, Gana, Caribe, México, Libéria. Todas elas flertam com o que há de primitivo e terrível na experiência humana, mas em todas elas encontramos um grande amor pelo poder da palavra, da literatura, como fonte de esperança em nossas aventuras.
[início 20/08/2012 - fim 29/08/2012]
"História do pé e outras fantasias", J.M.G. Le Clézio, tradução de Leonardo Fróes, São Paulo: editora Cosac Naify, 1a.
edição (2012), brochura 15,5x22 cm, 288 págs.
ISBN: 978-85-405-0211-6 [edição original: Histoire du pied et autres fantaisies (Paris: editions Gallimard) 2011]
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