Desde que comecei minhas leituras, meu contato feliz com a literatura, li tantos artigos louvando as maravilhas deste pequeno livro e ouvi tantas vezes falarem dele em entrevistas, que houve um dia em que cheguei a procurar por ele em minha biblioteca, pois imaginava ter um exemplar em casa. Publicado originalmente em 1956 "Como aprendi o português e outras aventuras", de Paulo Rónai, foi reeditado recentemente. De fato é uma maravilha. São trinta ensaios curtos mas poderosos, que tratam basicamente de questões lingüisticas. Rónai não faz rodeios bobos, é sempre objetivo, claro, oferecendo ao leitor textos que nunca são aborrecidos. A capacidade de síntese (pois os textos são realmente curtos) e a riqueza das exemplificações são notáveis. Ele sabe ser crítico sem ser deselegante mas quando faz reparos a um autor ou a uma obra em particular é implacável (seus textos sobre Alphonse Daudet e Victor Hugo praticamente imunizam no leitor a vontade de se aproximar destes autores). O livro tem quatro seções: A inicial é a que deu
fama a este livro desde a primeira edição. São dez textos onde Rónai
fala de seus estudos de português (uma coisa exótica para um
jovem húngaro no início dos anos 1930), dos primeiros poetas brasileiros que traduziu e editou, de como alcançou emigrar para o
Brasil logo no início da segunda grande guerra e de como tornou-se o
tradutor, professor de línguas, crítico e ensaísta (e, subsidiariamente,
como tornou-se o grande especialista e entusiasta da língua portuguesa e
da cultura brasileira, fazendo dele um legítimo e exemplar intelectual - brasileiro,
como não?). Seus comentários sobre como se deve estudar uma língua nova, sobre o valor do uso correto dos dicionários, sobre trocadilhos e lugares-comuns, sobre a importância do latim são invulgares e originais. De fato são histórias muito ricas, que dão conta das alegrias de aprender algo sobre o mundo através das línguas. Nas outras seções ele apresenta dez artigos dedicados a literatura e autores húngaros (os artigos sobre Ferenc Molnár e André Ady foram os que mais gostei); seis artigos que tratam de autores franceses (nos quais onde ele fala de Flaubert, Zola, Jules Roy, Pierre Loti, L'isle-Adam, Proust, e de sobretudo Balzac - Rónai é conhecido por ter sido o organizador da tradução completa de A Comédia Humana para o português); e quatro artigos com uma cívica ambição política (Rónai discute a legislação educacional brasileira e algumas propostas que, em meados dos anos 1950, envolviam mudanças no ensino de latim, inglês e francês, além da não obrigatoriedade da realização de certos exames orais nas escolas). Nelson Ascher assina um prefácio curto, mas muito bom. Ana Cecília Impellizieri Martins uma apresentação, um ensaio longo, que contextualiza a reedição destes ensaios e conta causos da biografia do autor. O livro inclui um índice onomástico e um das obras citadas nele, além de uma bibliografia. O único defeito do livro é o formato. A Leya (Casa da Palavra), que em parceria com a Fundação Biblioteca Nacional editou o livro, optou por um formato pequeno, no qual a mancha ocupa praticamente toda a página, o corpo da letra seja minúsculo, o corte tenha sido feito de forma descuidada, além de permitirem erros tipográficos no prefácio e na apresentação que irritam o leitor logo na primeira página. Felizmente o texto original de Paulo Rónai parece ter merecido um cuidado maior na revisão. Paciência.
[início: 03/09/2013 - fim: 05/09/2013]
"Como aprendi o português e outras aventuras", Paulo Rónai, Rio de Janeiro: Casa da Palavra (Leya) e Fundação Biblioteca Nacional, 1a. edição (2013), brochura 11,5x16 cm., 263 págs., ISBN: 978-85-7734-351-5 [edição original: (Rio de Janeiro: Ministério de Educação e Cultura, Instituto Nacional do Livro) 1956]
Nossa, comentário tão bom que quase dispensa de ler o livro :)) brincadeira, claro, mas a culpa por tê-lo há tanto tempo sem ler ficou maior. Enfim, já leio dois ao mesmo tempo nesse passo de tartaruga cansada e o Rónai ainda vai esperar, que fazer.
ResponderExcluirabraço,
clara
Aguinaldo, você é o blogueiro mais educado que eu conheço em toda esfera bloguística. Ao invés de responder meu comentário aqui, onde foi feito, você vai lá na minha página fantasmática e escreve uma resposta gentil, obrigada, viu?
ResponderExcluirSó pode ser educadíssimo, não se diz que ler educa e forma o caráter? :)))
grande abraço,
clara