"Hannibal de Bréauté, morto! Antoine de Mouchy, morto! Charles Swann,
morto! Adalbert de Montmorency, morto! Boson de Talleyrand, morto!
Sosthène de Doudeauville, morto!". Harold Bloom, nesse seu "A anatomia da influência: A literatura como modo de vida", a exemplo do Barão de Charlus de Marcel Proust, parece nos lembrar, ou antes, a nos ensinar, algo sobre a crueldade da passagem do tempo. Bloom também elenca seu mortos, amigos de longo curso, colegas poetas, escritores, ensaístas, críticos ou professores: Northorp Frye, A.D. Nuttall, Anthony Burgess, Robert Penn Warren, Kenneth Burke, Anthony Hecht (para listar apenas o mesmo número mágico de seis utilizado por Proust). E os elenca por vaidade, para ilustrar os sessenta anos em que debateu sobretudo com eles suas idéias sobre literatura e sobre os conceitos utilizou para interpretá-la. Ele revisa seu inflamável conceito de "Angústia da influência", processo desenvolvido ainda nos anos 1970, através do qual um poeta forte experimenta a influência poderosa de seus precursores, também poetas fortes. Neste seu último livro, escrito entre 2004 e 2011, Bloom digressa sobre muitos poetas e escritores (Milton, Joyce, Dante, Shelley, Leopardi, Epicuro, Lucrécio, Shelley, Whitman, Lawrence, Wordsworth, Crane, Stevens, Yeats, Blake, Lawrence, Cervantes, Proust, Emerson, Browning), mas acaba sempre louvando a precedência singular de Shakespeare sobre tudo o que foi escrito nos últimos 400 anos. Talvez "A anatomia da influência" merecesse um corte, uma edição mais concisa, que não fosse tão didática e/ou repetitiva (afinal, desde o início do livro já se alcança entender os argumentos principais de Bloom). Paciência. Talvez seja correto (e ético) homenagear os esforços de convencimento de um senhor tão vetusto com algo tão simples quanto a leitura atenta. Todavia, este leitor atento acaba percebendo que Bloom parece metamorfoseado num Falstaff moderno (um personagem tão caro a ele afinal de contas). Mesmo com seu usual otimismo em relação a seus detratores críticos (como quando ele afirma: "a literatura superior sempre retorna, enterrando seus coveiros acadêmicos, ...chatos e pedantes críticos acadêmicos") Bloom parece arrastar consigo as palavras cruéis de Henry V ("I know thee not, old man: fall to thy prayers") quando advoga não temer a solidão, a loucura e a morte, já que tem a boa poesia para aquecê-lo e iluminá-lo. Quem gosta de poesia certamente tem algo a aprender com as conexões e sínteses apresentadas neste livro. Sua crítica é pessoal, apaixonada, mercurial até; para ele não há distinção entre literatura e vida; nenhum livro pode ser verdadeiramente terminado (nem quando os escrevemos nem quando os lemos), porque o certo é sempre continuarmos buscando as bênçãos de mais e mais vida, e tempo, para ler os bons livros. Há algo de nobre nesta ambição (todavia Charlus e Falstaff também eram nobres).
[início: 23.11.2013 - fim: 17.12. 2013]
"A anatomia da influência: Literatura como modo de vida", Harold Bloom, tradução de Ivo Korytowski e Renata Telles, Rio de Janeiro: editora Objetiva, 1a. edição (2013), brochura 16x23 cm., 458 págs., ISBN: 978-85-390-0541-3 [edição original: "The anatomy of Influence" (New Haven/Connecticut: Yale University Press) 2011]
=============================================Balanço final [31.12.2013]
Como fazer uma síntese de um ano tão amalucado quanto 2013? Para um morador de Santa Maria e professor da UFSM como eu esse ano sempre ficará marcado como aquele no qual 250 pessoas muitos jovens morreram num incêndio, mas ao mesmo tempo o ano no qual estas mortes foram usadas das formas mais sórdidas e canalhas por jornalistas, advogados e políticos, dentre muitos outros trapaceiros (algo muito comum num país tão ridículo como o Brasil). Esse foi o ano em que os brasileiros provaram que são mesmo apenas massa de manobra de grupos políticos e econômicos, que esquecem e perdoam com uma facilidade absurda, e que são incapazes de se livrar de manipuladores e mentirosos, por mais óbvio que seja a manipulação e a mentira. Esse foi o ano em que só mesmo os abúlicos e os néscios não se deram conta dos roubos que foram cometidos para viabilizar a realização da copa do mundo de futebol do ano que vem e dos jogos olimpícos de 2016 (só mesmo num país ridículo como o Brasil uma fração tão grande da população se orgulha em ser roubada, algo quase inacreditável, mas estamos aqui, no país onde se elogia e se incentiva a estupidez, a ineficiência e a loucura). Paciência. Vamos deixar essa realidade de lado e inventar outra (como Isak Dinesen nos ensinou). Doña Natália terminou seu segundo ano de psicologia e continua entusiasmada. Doña Helga se envolveu em muitos projetos interessantes e levou sua boa arte por aí. Aachnald Severinovich continua capitaneando as cousas em São Bernardo, com sua valente doña Vic o auxiliando (ou seria o contrário, não seria ela a capitã de longo curso e ele o leal auxiliar nas aventuras desta vida?, nunca saberemos). Os gatos continuam generosos conosco: Salen, Lilica, Nihan, Kyo e Leon são mesmo divertidos e carinhosos. Seguro que tratei mal os amigos este ano, com minhas ausências e costumeiras rabugices. Preciso acertar as cousas com Cristina, Jesus, Manolo, Toninho, Frank, Luísa, LOTS, Cohen, Valdo, Melo, Ernani, Tondo, Fazzio e tantos outros amigos queridos. Organizei o vigésimo Bloomsday em Santa Maria, mas talvez seja o caso de melhorar a organização das futuras edições. Deixei muitos livros pelo caminho. Preciso terminar o Laurence Sterne, o ensaio sobre o Javier Marías, o Milton, os gregos, o Singer, o Cervantes, vários didáticos e de divulgação científica. Atrasei mais do que usualmente, mas consegui fazer o registro dos 103 livros que li nesse ano. Foram 25 romances; 13 de crônicas e ensaios; 13 de contos; 10 de histórias em quadrinhos, graphic novels, cartuns ou mangás; 8 de poesia; 8 de perfis, memórias e relatos; 6 infanto-juvenis; 4 romances policiais; 4 de gastronomia; 3 novelas; 2 peças de teatro; 2 livros de arte; 2 de cartas; 1 catálogo de exposição e 1 de divulgação científica. Acho que fui um tanto mais eclético nesse ano, li coisas mais variadas, abandonei projetos antes que começassem a me irritar definitivamente, fiz os desvios para melhorar o humor, li minha cota de espanhóis, deixei os livros me encontrarem. O que será de 2014? O que será deste velho e cansado Guina? Logo veremos. =========================================