Theodore Dalrymple é um dos pseudônimos de Anthony Daniels, um respeitado psiquiatra britânico que já escreveu mais de vinte livros sobre medicina, política, arte, educação e cultura contemporânea. Encontrei esse "O prazer de pensar" em um livraria de aeroporto. Nele estão reunidos trinta e três ensaios curtos, muito bem escritos, sobre as associações, divagações e insights que Dalrymple produziu a partir de alguns dos livros de sua biblioteca. A escolha não é aleatória. Ele parece escolher livros relacionados aos temas que lhe são mais caros. O tom é biográfico, mas o objeto da história é antes os livros e os assuntos derivados deles do que propriamente a vida do autor. O sujeito viaja, frequenta sebos, conversa com livreiros. É um médico curioso pelo mundo, um dublê de sociólogo que investiga o comportamento humano, sempre disciplinado e atento, tentando ordenar o que aprende e pensa. A leitura sempre trás algum benefício intelectual, ele nos diz, para logo enfatizar que entretanto a vida é mais complexa do que fica registrado nos livros. Ele foca nos pequenos gestos, aqueles que traem padrões de comportamento de todo um grupo social ou povo, de um período de tempo ou acontecimento determinado. A partir das anotações dos antigos proprietários encontradas nos livros que retira de sua biblioteca ele constrói argumentos poderosos sobre temas variados como o fato de lermos livros que sabemos serem ruins; a obsessão com o acumulo de livros; as técnicas de como se desfazer de bibliotecas; o mercado do livro; a falsa ideia que é possível ser especialista em algo apenas consultando o Google; a censura; o estoicismo e a morte; os consolos da inteligência; a compulsão daqueles que anotam livros com canetas; os bibliotecários que odeiam livros; a mente dos assassinos seriais; o método científico; as crenças religiosas. O que Dalrymple nos ensina é que não há assunto que não mereça um tempo de reflexão, que a vida sempre nos surpreenderá mais que os livros (mas que nós pouco saberíamos de nós mesmos sem eles). Grande sujeito. Vou sim procurar outros livros dele. Em tempo: Foi um amigo, don Rogério Koff, quem me sugeriu os livros de Dalrymple (acho que à época ele lia "A defesa do preconceito" ou "Podres de mimados"). Isso foi há uns meses, num dos dias em que bebíamos sem pressa, pois estávamos impedidos de entrar em nossos gabinetes de trabalho por conta de uma imbecil invasão de bárbaros. Discutíamos a estupidez do pensamento politicamente correto e a tragédia que é todo o sistema de educação no Brasil, notadamente devido a cumplicidade tola e tosca de uma geração inteira de professores universitários, sujeitos aferrados a ideias ultrapassadas, quando não a ideias simplesmente erradas. Paciência. O Brasil pode até ser governado (por partidos de esquerda ou direita, liberais ou fascistas, corruptos ou ainda mais corruptos), mas sabemos que qualquer governança no Brasil é inútil (Isso sou eu, avinagrado, quem diz; o Koff é bem mais ponderado e portanto otimista com o futuro do Brasil). Um dia veremos, ou não.
[início: 08/12/2016 - fim: 11/12/2016]
"O prazer de pensar", Theodore Dalrymple (Anthony Daniels), tradução de Margarita Maria Garcia Lamelo, São Paulo: É Realizações editora (Coleção abertura cultural), 1a. edição (2016), brochura 16x23 cm., 208 págs., ISBN: 978-85-8033-238-4 [edição original: The Pleasure of Thinking: A Journey through the Sideways Leaps of Ideas (London: Gibson Square Books) 2012]
Bela resenha. Dalrymple é um dos autores contemporâneos mais importantes no que se refere à crítica e desmontagem das visões do "politicamente correto", estas sim as verdadeiras pragas do nosso tempo. Grato pela gentil referência ao meu nome.
ResponderExcluirExcelente resenha Aguinaldo. Gosto de livros assim. Vou comprar. Obrigado. Deveria ser crítico literário em algum periódico.
ResponderExcluirNossa! Que análise! Estou louco de vontade para ler esse livro... Já estou garimpando ele na web...
ResponderExcluirAcabou de chegar meu exemplar!!! :))
ResponderExcluirDepois me conte o que você achou. Abraços Paulo.
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