"El huevo de oro" deixa-se ler com calma, como calmo deixa-se fluir o outono veneziano. Não se trata exatamente de uma investigação policial canônica, de um crime que precisa ser desvendado. Donna Leon nos apresenta antes sim a curiosidade quase mórbida de seu comissário Guido Brunetti, curiosidade em descobrir as razões de um sujeito que é portador de óbvias deficiências físicas e mentais, com mais de quarenta anos, não estar inscrito de forma alguma nos registros oficiais de Veneza, ser um pária absoluto, um homem sem nome, nem passado, nem identidade, e que está morto, talvez por acaso. Antes de alcançar a razão para a morte deste sujeito desafortunado, Donna Leon oferece ao leitor boas reflexões sobre a sociedade italiana, os hábitos entranhados de sua gente, as regras de conduta distintas entre o Norte e o Sul, o uso da linguagem e dos dialetos para aproximar e afastar indivíduos, o crescente apego das pessoas às redes sociais, a hegemonia dos terríveis conceitos politicamente corretos, a rapidez ilusória dos equipamentos que permitem comunicação instantânea entre nós. Oferece também seus usuais mimos, digressões sobre questões filosóficas, questões de linguagem, questões culturais contemporâneas. Foa, o piloto de uma lancha de serviço da chefatura de polícia, veneziano há mil gerações, e a eficiente comissária Griffoni, siciliana exilada em Veneza, ganham relevo nesta trama, ajudam Brunetti a entender as ancestrais motivações para o crime. Narrativa policial bem engendrada, conduzida. Interessante. Vale!
Registro #1434 (romance policial #87) [início: 13/05/2019 - fim: 18/06/2019]
"El huevo de oro" (Brunetti #22), Donna Leon, tradução de Maia Figueroa Evans, Barcelona: Editorial Seix Barral / Booket #2561 (Grupo Planeta Manuscrito),
1a. edição (2014), brochura 12,5x19 cm., 319 págs., ISBN:
978-84-322-2249-8 [edição original: The Golden Egg (Zürick: Diogenes Verlag AG / Penguin Randon House Group) 2013]
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