segunda-feira, 11 de julho de 2011

sodoma e gomorra

Publicado originalmente em duas partes, em 1921 e 1922, ¨Sodoma e Gomorra¨ é o quarto dos volumes do ciclo "Em busca do tempo perdido", de Marcel Proust. Entre cada um dos três volumes anteriores ["No caminho de Swann", "À sombra das raparigas em flor", "O caminho de Guermantes"] observamos um lapso temporal considerável, que correspondem a diferentes estágios da vida do narrador. Já de "O caminho de Guermantes" a "Sodoma e Gomorra" observamos uma continuidade na narrativa. Há trechos que antecipam e/ou fazem retrospectiva de acontecimentos distribuidos nos dois volumes. A transição não é temporal, mas antes na forma de entendimento das coisas do mundo. Este volume tem duas partes, bem diferentes em extensão. Na primeira parte, de umas cinquenta páginas poderosas, o narrador da história descreve sua descoberta da homossexualidade no barão de Charlus. Proust retoma os instantes imediatamente anteriores a seu encontro com Swann, o duque e a duquesa de Guermantes (a adorável sessão dos "sapatos vermelhos da duquesa"). Usando uma série de metáforas botânicas e entomológicas ele descreve como Charlus e Jupien se atraem, fazem a corte e seduzem um ao outro. O narrador entende, retrospectivamente, as atribulações pelas quais passou em todos os encontros que teve com o barão. A segunda parte de "Sodoma e Gomorra" é bem mais extensa, dez ou onze vezes maior que a primeira. Acompanhamos como o narrador alcança o ápice de sua vida mundana, ao ser recebido com reverência no círculo íntimo de relações dos aristocráticos Guermantes. Depois ele decide passar novamente suas férias de verão na região costeira de Balbec. Ali o narrador retoma seus encontros com a burguesia ascendente representada pelos Verdurin. Estes dois mundos (antes os habitantes destes dois mundos) irão estabelecer relações progressivamente mais complexas e reveladoras, tanto de suas virtudes e valores, quanto de suas limitações e defeitos. O tema principal deste volume é o comportamento sexual (notadamente o comportamento homossexual) de homens e mulheres, mas Proust também reflete com exuberância sobre o judaísmo e a política de seu tempo. De certa maneira o caso Dreyfus (um complicado problema que dividiu a sociedade francesa do final do século XIX e início do século XX, envolvendo militarismo, espionagem, política e xenofobismo) serve metaforicamente aos propósitos de Proust de descrever como os indivíduos se relacionam e se comportam em sociedade. O narrador também reencontra Albertine. Seu envolvimento com ela passa por várias metamorfoses, por ciúme e paixão, mas justamente quando ele decide dela se separar descobre que não pode viver sem ela (a paixão é destruidora). Os personagens que Proust cria são críveis, mutáveis e impressionantes, cada um a sua maneira. Nenhum personagem é absolutamente bom ou mau, esquemático ou plano. Apesar da violência com que somos apresentados ao que há de pior no comportamento humano (este deve ser um dos livros menos condescendentes com a espécie humana que já li) depreendemos que até isso é irrelevante, o ser humano é mesmo uma besta capaz dos crimes mais hediondos, das desculpas morais mais canhestras. A nenhum leitor é dada a ventura (ou escusa) de permanecer ingênuo após ler todo o ciclo. O julgamento moral que experimentamos tem a nós mesmos como juiz, jurí, promotor, carcereiro e carrasco. As passagens mais torpes ainda estão por vir, nos três volumes restantes do ciclo. Como já registrei em outras resenhas esta reedição da Globo da tradução original é cheia de mimos para o leitor (prefácio, resumo, caudalosas notas, posfácio), mas nota-se que desta vez o trabalho foi feito sem apuro ou revisão adequada. A paginação do resumo está totalmente errada, o que o torna inútil. Talvez seja a constatação de erros como este (há vários outros, de grafia, menos importantes, mas que poderiam ser evitados) que tenha feito a editora globo interromper a seqüência da reedição. Paciência. Vou reler meus volumes antigos. Ainda há tempo de sobra neste ano. [início 01/05/2011 - fim 11/07/2011]
"O caminho de Guermantes: Sodoma e Gomorra (vol.4)", Marcel Proust, tradução de Mário Quintana, São Paulo: editora Globo, 3a. edição, revista (2008), brochura 16x23 cm, 637 págs. ISBN: 978-85-250-4228-6 [edição original: Sodome et Gomorrhe (éditions Gallimard), 1919-1922]

7 comentários:

  1. Proust é meu Joyce francês.

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  2. Ulalá Andressa. Eu também gosto do Joyce. Bom divertimento aí em Dublin. Cumprimente uma das estátuas do Joyce por mim. Abraços. Aguinaldo

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  3. Muito bom blog. Todas as leituras que fiz foram muito úteis, especialmente sobre autores jovens que não li, como o Junot Díaz. Gosto da proposta, tanto que tenho um blog de formato parecido.

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  4. Este comentário foi removido pelo autor.

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  5. A tradução que estou lendo é de Fernando Py da Ediouro, e terminei há pouco o quarto volume SODOMA e GOMORRA.
    No início do livro, muito embora seja muito significativa as metáforas botânicas de Proust ao descobrir a homossexualidade do Barão de Charlus e a corte de Jupien, confesso que fiquei um tanto estarrecido com as "explicações" de Proust sobre a homossexualidade, termo que ele considera inadequado preferindo denominar os homossexuais de "invertidos" ou de "homens-fêmeas".
    Classifica a homossexualidade de vício, e que em alguns casos (só em alguns casos) é curável, dizendo desta forma que a homossexualidade é doença. Diz ainda, que são mulheres nascidas em corpo de homens. Disparate de Proust !!!, com toda a heresia que isso possa parecer da minha parte
    Pareceu-me que ele vestiu o narrador-autor em um heterossexual preconceituoso, com todos os preconceitos vigentes na época. Eu esperava que Proust (como ele era homossexual) que analisasse o propósito da natureza em prever a homossexualidade.
    Analisa muito pouco e, a não ser dizer brevemente ser hereditária, é mais válida as metáforas botânicas no início do livro.
    No mais, adere a visão dos heterossexuais que, em sua maioria, zomba e ridiculariza os homossexuais ao invés de entender a sexualidade que lhes foi impingida pela natureza.
    Mas no final, como muitos heterossexuais, sente muita "pena" do Barão de Charlus.

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  6. Oi claudio. Concordo com teu argumento. Mas o Proust e um sujeito do séc xix. Morreu no início do séc xx. Ele fez o que era possivel sua época. E, penso eu, por conta destes textos é que aos poucos as sociedades vão entendendo melhor qualquer assunto. Leia os próximos volumes. Ha muitas maravilhas ainda nos livros. Abração

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  7. Ok, Aguinaldo, estou inciando hoje A Prisioneira.
    Dos quatro volumes iniciais que li o meu favorito é A Sombra das Moças em Flor; é magnífico, genial. Talvez tenha sido por isso a minha surpresa com as considerações sobre a homossexualidade feitas por Proust em Sodoma e Gomorra.
    Abraços.

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