Italo Svevo (ou Aron Hector Schmitz, ou Ettore Schmitz) é conhecido e respeitado por três poderosos romances: Una Vita e Senilità (que publicados ainda no final do século XIX foram muito mal recebidos pelo público e crítica) e La Coscienza di Zeno, de 1923, que um entusiasmado James Joyce, de quem Svevo era aluno de inglês, na Escola Berlitz de Trieste, fez esforços para que fosse publicado e traduzido. Svevo pouco aproveitou o bom acolhimento de La Coscienza di Zeno, morreu em 1928, em um acidente automobilístico. Há quem diga que Joyce usou algumas características de Svevo em seu Leopold Bloom, o protagonista do seminal Ulysses. Mas vamos ao livro. Em "Corto viaje sentimental" estão reunidas quatro narrativas publicadas quase trinta anos depois da morte de Svevo. Três delas (Las confesiones del viejo, Umbertino e Mi ocio) são aparentadas. Na primeira delas o narrador é um velho senhor, algo ranzinza e maniático, que reflete sobre seus hábitos, sua família, a morte de seu filho, a coabitação difícil com sua nora; na segunda ele descreve seu amor pelo neto e algumas conversas que tem com sua mulher, seu médico e seus amigos; no último ele fala de uma experiência amorosa da velhice, da alegria de viver essa aventura (talvez mais cerebral que física), mesmo sabendo ser enganado e explorado pela amante. O relato mais longo (e que dá nome ao livro) envolve um outro personagem, o senhor Aghios, um homem de meia idade. Ele viaja para compromissos de negócios, de trem, entre Milão e Veneza. No início está algo animado por se afastar da mulher e ter a chance de flanar e flertar. Observa seus companheiros de viagem como se fosse um escritor em busca de personagens. Faz o censo das manias e dos gestos de um gordo e falador comerciante, de uma jovenzinha que acompanha um parente vigilante, de um soturno rapaz que suspira e dorme, de um casal de pessoas pobres que erra o vagão em que deveriam estar. Por uma coincidência (e por sua vocação para se intrometer na vida dos outros) Aghios acaba convidando o rapaz a ir com ele até o praça São Marcos, no centro de Veneza (ambos tem que esperar algumas horas por um outro trem que os levará até Gorizia. Quem já esteve por lá sabe o quão impactante é viajar pelo Canal Grande veneziano, principalmente a noitinha, principalmente de gôndola. O garoto conta sua rocambolesca história de amor e fala de suas dificuldades financeiras. Aghios e o condutor da gôndola, velhos senhores, no fundo invejam a ingenuidade do rapaz. Nessa última (assim como nas demais histórias, cabe dizer) o que se narra é menos importante que a forma, que a construção ondulante e vagarosa das frases, que enfeitiçam o leitor. Os ritmos serpeantes do trem e da gôndola se confundem. Aghios pensa ser um bom observador da alma humana, mas o leitor sabe que ele sempre tem uma percepção errada das coisas e do caráter dos outros. Talvez Svevo não tenha publicado estes textos em vida por não considerá-los bons o suficente, sabe-se lá. O leitor percebe que falta robustez a trama, que a história carece de mais atrativos, mas a qualidade da prosa vale o tempo que investimos nela. E vamos em frente.
[início: 25/08/2012 - fim: 18/10/2012]
"Corto viaje sentimental", Italo Svevo,
traducción de Carmen Martín Gaite, Madrid: Alianza editorial (libro de bolsillo, literatura contemporáneos), 1a.
edição (2008), brochura 11x17,5 cm, 263 págs.
ISBN: 978-84-206-6248-0 [edição original: Corto viaggio sentimentale e altri racconti inediti (Milano: Mondadori editore), 1957]
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