sábado, 14 de março de 2020

nostalgia

Em 2015 e 2016 li bons livros do romeno Mircea Cartarescu: "El ojo castaño de nuestro amor", "El levante", "Lulu", "El ruletista" e "Las bellas estranjeras". Num destes anos comprei a tradução de Nostalgia para o espanhol, mas por alguma razão acabei não terminando a leitura, perdi-me na aventura (esses foram anos tremendos para mim!). Noutro dia encontrei a versão para o português, editada pela Mundaréu e traduzida por Fernando Klabin, diretamente do romeno. Resolvi começar e li em poucos dias, sobretudo nas horas vagabundas em que esperava voos de conexão durante minha recente viagem à África do Sul. Trata-se de um romance dividido em cinco partes, que até podem ser lidas e entendidas separadamente, como contos ou novelas curtas, mas que têm sim uma unidade (e se, de resto, o autor entende que produziu um romance, aceitemos pois). A primeira parte, dita prólogo, é justamente "El ruletista", primeiro livro de Cartarescu que li, e que foi publicado de forma independente, em espanhol, em 2010. Depois há uma seção chamada "Nostalgia", com três textos: "O Mendébil", "Os gêmeos" e "REM". O livro termina com um epílogo, dito "O arquiteto". Assim como já escrevi quando registrei algo sobre El ruletista, não me sinto à vontade de detalhar muito da trama, para não roubar nada do leitor. As cinco partes do livro compartilham temas que se desdobram, se espelham, enganam o leitor. Na minha forma de entender o livro os temas principais são: (i) a memória afetiva da infância e adolescência, os ritos de passagem; (ii) a descoberta dos espantos e azares do amor; (iii) a melancolia romena nas décadas de 1950, 1960, 1970 e 1980,  tempos da ditadura comunista de Ceauşescu; (iv) as associações entre cultura pop e literatura romena, entre filmes e manifestações culturais; (v) a fusão ou entranhamento entre realidade e ficção; entre sonho e razão; (vi) a repetição de imagens, como escadas, subterrâneos, corredores, espelhos, portais mágicos; (vii) o recorrente uso de descrições de estados alterados de consciência; (viii) o poder revelador dos sonhos; (ix) o poder purificador do fogo. Ao mesmo tempo em que os narradores das histórias descrevem situações quase sempre bizarras e surpreendentes, o autor as povoa com citações literárias, quase sempre de artistas plásticos e escritores romenos, mas também de outras nacionalidades. O livro faz a festa do leitor que gosta de mimos, de jogos intelectuais. Os narradores/autor provocam o leitor, falam sobre o ofício da escrita, os truques literários, de construção literária, de como a eterna luta contra o ego define os homo sapiens e especialmente os escritores. Ainda tenho dois livros de Cartarescu para ler, entre meus guardados: Solenóide, de 2015, e Orbitor, um portento que teima em crescer, já são três os volumes que o sujeito inventou. Vamos a ver se consigo lê-los ainda neste ano. Vale! 
Registro #1500 (romance #373) 
[início 09/02/2020 - fim: 15/02/2020] 
"Nostalgia", Mircea Cartarescu, tradução de Fernando Klabin, São Paulo: Mundaréu (Editora Madalena Ltda EPP), 1a. edição (2018), brochura 14x18 cm., 416 págs., ISBN: 978-85-682-592-14 [edição original: Nostalgia (București: Cartea Româneasca Publishing House) 1993]

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