quinta-feira, 31 de maio de 2012

mitologías

Cheguei a este livro por conta de minha obsessão com as coisas de Javier Marías. Ele traduziu, ainda em 1985, os contos folclóricos de "O crespúsculo celta", do poeta irlandês (e prêmio Nobel de literatura) William Butler Yeats, publicados em 1893. Além destes contos, "Mitologías" reune os demais textos em prosa de Yeats (A rosa secreta; Histórias de Hanrahan, o vermelho; A rosa alquímica; As tábuas da lei; A adoração dos magos, todos de 1897, traduzidos por Alejandro García Reyes; e "Per amica silentia lunae", de 1917, traduzido por Miguel Temprano García). O resultado é um livro irregular. Estes textos fazem parte do esforço de renovação da literatura irlandesa empreendido por Yeats. Os contos folclóricos (que estão nas séries O crespúsculo celta, A rosa secreta e Histórias de Hanrahan, o vermelho) são realmente interessantes, inspiradores. Yeats os compilou ao longo de anos, principalmente na região noroeste da Irlanda, a província de Connacht, entre as cidades de Sligo e Galway. A mitologia celta é povoada por fadas, fantasmas, duendes, histórias que parecem decalcadas de mitos mais antigos, gregos, hebraicos e hindus, e também de leituras tortas das tradições cristãs. Yeats narra suas conversas com a gente simples do campo, que relembra e conta suas histórias enebriados pelos vapores do tabaco, os ruídos de cartas sendo embaralhadas e o perfume do whiskey. Encontrei coisas que remetem a vários contos de fadas (ou as histórias de Alice, de Lewis Carroll), mas sempre com algum sinal trocado (ou a ordem temporal ou o sexo dos personagens é trocado, curioso mesmo). As histórias do poeta errante Hanrahan são ao mesmo tempo dramáticas e divertidas. O desfecho das histórias raramente é moralista. Pode-se entender estas histórias como parte de um projeto político de enfrentamento dos valores e tradições do dominador inglês. Um terço do livro (A rosa alquímica; As tábuas da lei; A adoração dos magos; "Per amica silentia lunae") consiste de textos de inspiração mística (não mitológica), uma espécie de manual de ocultismo e revelação. Claro, o leitor curioso encontra rapidamente ali o material bruto que tipicamente se associa às sociedades secretas, aos ritos de iniciação mística e simbolista. Definitivamente não tenho muito apreço por religiosidade ou misticismos bestas, por explicações mágicas para fenômenos da natureza ou pelas bizarras interpretações dos medos e fobias humanas. Quando material de fontes como estas é transformado em boa arte o efeito é realmente potente, mas quando se trata - como neste caso - apenas de narrativa monocórdia de experimentos místicos do autor, a leitura perde toda a graça e vigor. De qualquer forma os textos mitológicos valem o tempo de leitura do livro. Vamos em frente. [início 16/05/2012 - fim 30/05/2012] 
"Mitologías", W.B. Yeats, tradução de Javier Marías, Alejandro García Reyes, Miguel Temprano García, Barcelona: editorial Acantilado, 1a. edição (2012), brochura 13,5x21 cm, 383 págs. ISBN: 978-84-15277-55-2 [edição original: Mythologies (New York: Scribner / Simon & Schuster) 1998]

domingo, 27 de maio de 2012

poem(a)s

Esse é outro dos volumes de poesia que li, mas sobretudo carreguei como Sísifo, de casa para o trabalho, ao longo de vários meses. À exemplo de Junco e Trovar claro, já resenhados aqui, em breve irão juntar-se a eles os demais companheiros de périplos: Calendário, Animal anônimo e Formas do nada. "Poem(a)s" é em boa parte uma reletura, já que mais da metade dos poemas de e.e. cummings nele transcritos li em uma edição antiga da Brasiliense, em meados dos anos 1980. Há poemas que me encantam desde aquela época: "l(a leaffa ll s)onel iness" - que é para ser lido na vertical, paciência - e que copiei e enviei para tantos amigos extintos, como o Péricles e a Misa, as Tânias, ou o Oscar; "a politician is an arse upon which everyone has sat except a man", que virou o dístico agressivo de meus primeiros e-mails no ifusp; ou aquele que termina com "nobody, not even the rain, has such small hands", que o Woody Allen usou em Hannah e suas irmãs e que embalou minhas açucaradas cartas de amor por anos. Augusto de Campos trabalha na tradução de poemas de cummings desde 1954. Esta bela edição da editora da Unicamp faz menção a todas encarnações anteriores que teve: dos dez poemas de 1960; vinte de 1979; quarenta de 1986 e sessenta e dois de 1999, incluíndo as introduções e comentários incluídos nelas. O livro tem ainda um generoso apêndice, onde encontramos, além da biografia, da bibliografia completa de cummings, textos publicados anteriormente em jornais por Augusto e de Haroldo de Campos, fac-símiles de cartas, postais, fotografias, capas das edições anteriores, recortes de jornais e provas tipográficas de alguns poemas. É um livro para se deixar à mão e folhearmos sem pressa, até encontrar algo que chame a atenção, um livro onde sempre se vai tentar racionalizar o encantamento original da forma, de suas construções complexas e desafiadoras. Cada leitura sugere uma interpretação distinta, um quetionamento sobre os objetivos do autor que ultrapassa os poucos minutos que dedicamos a cada poema. A edição é bilingue, portanto o leitor é convidado a experimentar suas habilidades com o inglês e eventualmente cotejar suas leituras com as de Augusto de Campos. Esta não foi uma releitura qualquer, mas sim uma releitura necessária. Vale. [início 11/02/2012 - fim 19/05/2012] 
"Poem(a)s", e.e. cummings, tradução de Augusto de Campos, São Paulo: editora da Unicamp, 2a. edição, revista e ampliada (2011), brochura 16x23 cm, 248 págs. ISBN: 978-85-268-0892-8 [edição original: Complete poems: 1904-1962 (George J. Firmage) (New York: W.W. Norton & company) 1994]

domingo, 20 de maio de 2012

cachorro velho

Encontrei "Cahorro velho", de Teresa Cárdenas, por acaso, em um dos balaios da Feira do livro de Santa Maria. É uma história curta, que ganhou um dos prêmios Casa de las Américas de literatura infanto-juvenil de 2005. Lê-se o livro em um bom par de horas, sem atropelos. Teresa Cárdenas conta uma história sobre a escravidão em seu país, Cuba. O protagonista da história é um escravo conhecido por "Cachorro velho". Através dele Cárdenas faz uma espécie de censo das misérias e horrores impingidos aos escravos. São pequenas histórias, quase causos independentes, enfeixados em uma narrativa curta e linear. O leitor não tem dificuldade em imaginar os desfechos possíveis. "Cachorro velho" mal lembra da mãe; convive sobretudo com outros velhos como ele; lamenta um grande amigo de infância morto por um capataz; imagina o destino das crianças e jovens da fazenda; cumpre suas tarefas por inércia, quase lamentando nas as fazer com mais apuro e eficiência (a lógica da escravidão confunde um sujeito). Ele é incapaz de imaginar um mundo diferente ao qual está submetido. A contragosto (e por acaso) se envolve em um plano de fuga. Um sujeito precisa ter emparedado seu coração para não ficar de mau humor ao terminar o livro, principalmente quando lembra que Cuba é hoje apenas uma grande feitoria de escravos de outros senhores, escravos mentais de um regime tirânico, brutal e sanguinário. Não há mesmo razões para se ter algum otimismo com a espécie humana. [início 16/05/2012 - fim 17/05/2012] 
"Cachorro velho", Teresa Cárdenas, tradução de Joana Angélica D'Avila Melo, Rio de Janeiro, editora Pallas, 1a. edição (2010), brochura 13x18 cm, 142 págs. ISBN: 978-85-347-0459-5 [edição original: Perro viejo (La Habana, Cuba: Casa de las Américas) 2005]

sexta-feira, 18 de maio de 2012

junco

"Junco" é um dos livros de poemas que carreguei comigo nas últimas semanas (sobre o seminal "Trovar claro" já falei aqui antes). Na verdade comecei a ler "Junco" ainda nos primeiros dias do verão passado, quando estava as voltas com o impacto que foi a descoberta e a leitura de Wislawa Szymborska. Mas daí vieram as delícias do verão, os encontros e as conversas vagabundas de férias. Num dia tive de emprestar a Szymborska e também este volume do Nuno Ramos (que já havia acabado de ler) para o Sahea, poeta dos bons que nos assombra e encanta por aqui. Em uma das viagens do início do semestre vi Junco em uma prateleira e percebi que deveria voltar a ele uma vez mais. Reli os poemas e folhei o livro com renovado prazer. O livro inclui fotografias de cães mortos (atropelados em rodovias) e destroços marinhos (cousas que o mar devolve à praia). Os dois registros interagem entre si e com os poemas, como se pudéssemos visualizar no silêncio, ou antes, no ruído de fundo muito particular destes dois lugares (rodovia e praia) o substrato físico das histórias, dos poemas. Segundo Nuno Ramos os poemas foram escritos ao longo de muitos anos (quatorze) e quase todos retrabalhados após longos intervalos (ele assinala essa datas, mas não me convenci da necessidade delas). Os poemas falam das coisas que encontramos nas praias (ou que nos encontram no caminho para as praias). O mundo mineral e o mundo orgânico se misturam e se confundem. A respiração dos homens acompanha, como num recitativo, o mar que ecoa sempre poderoso. Os destroços (assim como os escolhos e os calhaus) parecem a materialização dos fracassos e dores dos homens. Não se trata mesmo de um livro luminoso, que se permita ser apreciado facilmente no calor do verão. O frio e também o cinza dos dias de inverno e de introspecção parecem mais apropriadamente recebê-los. De algum jeito fiquei no meio deste caminho de sensações e estímulos. Bom livro afinal de contas. [início 20/12/2011 - fim 15/05/2012] 
"Junco", Nuno Ramos,  São Paulo: editora Iluminuras, 1a. edição (2011), brochura 14x18 cm, 120 págs. ISBN: 978-85-7321-348-5

quarta-feira, 16 de maio de 2012

trovar claro

Publicado em 1997, "Trovar claro" é o terceiro volume de poemas de Paulo Henriques Britto (Liturgia da matéria é de 1982 e Mínima lírica de 1989). Ganhou o prêmio Alphonsus de Guimaraens (da Biblioteca Nacional). Como todo bom livro de poemas este ficou a meu lado por várias semanas (junto com outros, sobre os quais falarei aqui em breve). Não há um único poema em Trovar claro que seja ruim. Todos provocam o leitor a pensar, a acompanhar os argumentos, a entender as citações, o ritmo e a cadência de cada um deles. Acho até que qualquer jovem que tenha aspirações poéticas deveria evitar este livro, pois certamente vai se assustar com a qualidade deles, com o poder de encantamento deles. E ele alerta o leitor: "Não escreva versos íntimos, sinceros, como quem mete o dedo no nariz." É fácil ser piegas e bobo, melhor deixar este ofício para quem tem mesmo talento e disciplina, como ele. Uma frase solta em um dos poemas ("Memória, a mãe amorosa de todas as mortes") martelou em mim por semanas. Outro ("a água é pura espera, como um túmulo egípcio") me lembrou cousas e leituras antigas (como a de meu Proust velho de guerra, que dizia que a visão do mar nos consolaria). Há um certo otimismo no livro (talvez seja apenas o efeito de um vício típico dos bons professores). Augusto Massi assina uma boa apresentação ao livro. O último dos poemas da coletânea (No alto) é um assombro, uma cousa que qualquer sujeito gostaria de assinar, mas que eu me contento em apenas ler. Vale. [início 04/02/2012 - fim 13/05/2012]
"Trovar claro", Paulo Henriques Britto,  São Paulo: editora Companhia das Letras, 1a. edição (1997), brochura 12,5x18 cm, 123 págs. ISBN: 85-7164-693-7

segunda-feira, 14 de maio de 2012

entre lençóis

Todos os contos de Ian McEwan foram publicados, em um único volume, em 1995 (The short stories, London: Johatahn Cape, 1995). Eles já haviam sido publicados separadamente, em 1972 e 1978. A primeira série (First love, Last rites) li em uma tradução espanhola, há dois anos. A segunda série (In between the sheets) só encontrei já incluída no volume dos contos completos dele, em uma boa edição da Rocco, de 1998. São sete histórias, muito inventivas, onde há quase sempre tensão sexual entre os personagens e aspectos da produção ficcional, do ofício do escritor (isso fica subentendido no título original - between the sheets, donde pode-se inferir tanto as delícias de se estar entre lençóis quanto a reflexão sobre o que está entre folhas de papel. Em uma das histórias um sujeito infecta suas duas amantes com uma doença venérea e experimenta a vingança delas; noutra um macaco conta os dias monótonos de sua dona, uma escritora em crise, incapaz de escrever um segundo romance, após o sucesso do primeiro; na terceira história McEwan inventa um mundo pós-apocalíptico, onde um sujeito tenta manter alguma rotina com sua filha pequena e sua amante; na quarta história, uma fantasia curiosa, um sujeito fica progressivamente louco, apaixonado por um manequim; na quinta história um escritor separado da mulher tenta se aproximar da filha adolescente e fica intrigado com a melhor amiga dela, uma anã sexualmente poderosa; na sexta história um sujeito sonha/rememora fragmentos de sua vida conjugal com a mulher e a vida afetiva com os filhos; na última um escritor inglês, em férias nas praias da Califórnia, encontra excêntricos, experimenta o ritmo frenético de seus amigos locais e reflete sobre as diferenças entre ingleses e americanos, num conto realmente impressionante. Todas as histórias ficam no limite do fantástico (e do grotesco). Há um clima de sonho nas histórias, onde há quase sempre confronto entre o novo e o velho, o mundo das crianças e dos adultos. McEwan é irônico, abusa na análise psicológica dos personagens que inventa, provoca o leitor com o inusitado de suas histórias, e acaba por nos convencer da hiper-realidade que nos apresenta. Realmente muito bom esse escritor. [início 05/05/2012 - fim 10/05/2012]
"Entre lençóis", Ian McEwan, tradução de Roberto Grey, Rio de Janeiro: editora Rocco, 1a. edição (1998), brochura 14x21 cm, 308 págs. ISBN: 85-325-0917-7 [edição original: In between the sheets (Londres: Jonathan Cape) 1978]

quarta-feira, 9 de maio de 2012

tocar los libros

Depois que li o surpreendente "Donde se guardan los libros" procurei outros livros de Jesús Marchamalo. Recebi este pequeno volume noutro dia e li durante o último final de semana, quase num fôlego só, lagarteando ao sol e bebericando. É um livro muito bem escrito, onde se fala do encantamento provocado pelos livros, como objeto de culto e como veículo de experiências que ninguém jamais nos roubará. Lembra um tanto os livros do bibliófilo brasileiro José Mindlin (No mundo dos livros; Uma vida entre livros). Marchamalo fala dos critérios que podem ser utilizados na organização de uma biblioteca; da acumulação deles em cada fase de nossas vidas; do necessário desapego que um sujeito deve ter, para de tempos em tempos desfazer-se de parte de seus livros; das processos de escolha dos livros que se deve ler; da miríade de livros que são publicados a cada minuto - algo que ele deve ao bom "Livros demais", de Gabriel Zaid; dos males que afetam os livros, destruíndo-os; das coisas que colocamos entre as páginas dos livros e esquecemos. Ele conta causos bem humorados, conversas que teve com escritores e bibliófilos espanhóis contemporâneos, do vício inerente e egoísmo supremo que é a leitura. "Tocar los libros" inclue boas ilustrações e só tem o defeito de ser mesmo muito breve (mas pode ser encontrado em pdf na página do Centro de profesores de Cuenca, onde foi publicado originalmente, ainda em 2001). [início - fim 06/05/2012]
"Tocar los libros", Jesús Marchamalo, Madrid: Fórcola ediciones, 2a. edição (2010), brochura 12x18 cm, 79 págs. ISBN: 978-84-936321-9-9 [edição original: Centro de profesores de Cuenca, Cuadernos de Mangana, número 29, 2001]

segunda-feira, 7 de maio de 2012

o butim da guerra

Nos livros de marinharia de Patrick O'Brian, das aventuras do capitão da marinha inglesa Jack Aubrey, não há surpresas, a diversão - ligeira - é garantida (não se pode ter tudo nesta vida). "O butim da guerra" segue imediatamente os sucessos de "A ilha da desolação", que se passaram no sul do Oceano Índico. Naquele volume ingleses e americanos mantinham alguma reserva entre si, numa agressividade contida, mas neste os dois países já estão em guerra aberta. O governo americano havia construido sete poderosas fragatas e desfiavam ostensivamente o até então hegemônico poder naval inglês. Jack e seus comandados inicialmente seguem até uma base inglesa na Malásia, onde recebem ordem de voltar a Inglaterra, para juntar-se ao esforço de guerra com os americanos. Mas os caminhos do mar são traiçoeiros. Um acidente os deixa a deriva no Oceano Atlântico, próxima à costa brasileira. Eles são resgatados por um navio inglês que fazia exatamente o caminho inverso, rumo as colônias no extremo oriente. Mas a má sorte dos naúfragos parece seguí-los de perto, pois este navio de guerra, o Java, logo se envolve em um combate com uma das fragatas americanas, a Constitution, e é rapidamente afundado. Jack e outros poucos sobreviventes são levados prisioneiros para Boston. Ali ficam sabendo que três grandes navios ingleses já haviam sido afundados e/ou aprisionados. O orgulho inglês ferido. A partir deste ponto a narrativa ganha o ritmo mais próprio de livros de espionagem. Interesses ingleses, franceses e americanos (tantos dos que apoiam a jovem república, quanto os saudosos dos tempos coloniais) se cruzam. Stephen, médico e grande amigo de Jack é um ativo espião inglês e tenta não ser desmascarado. Em algum ponto todos irão voltar ao mar e se envolver em uma nova batalha. Aprendi um bocado neste livro. O'Brian reflete sobre o início da transição de poder, dos ingleses para os americanos, que já se podia visualizar no início do século XIX. Vamos em frente. [início 25/04/2012 - fim 05/05/2012]

"O butim da guerra", Patrick O'Brian, tradução de Paulo Cezar Castanheira, Rio de Janeiro: editora Record, 1a. edição (2012), brochura 13,5x21 cm, 367 págs. ISBN: 978-85-01-08729-4 [edição original: Fortune of war (Londres: Harper Collins) 1979]

sábado, 5 de maio de 2012

o inocente

Inspirado em um fato verídico da guerra fria, em "O inocente" Ian McEwan apresenta ao leitor uma experiência limite, uma leitura daqueles momentos da vida onde todos os envolvidos se redefinem, se descobrem. Dez anos após ofinal da segunda grande guerra, um jovem espião, especialista em telecomunicações, é enviado a Berlin. Ele participa do projeto de construção de um túnel de interceptação de uma importante linha de transmissão telefônica das tropas de ocupação soviética. Esta operação envolve muitos recursos financeiros e logísticos, numa colaboração entre os serviços secretos ingleses e americanos. A operação realmente aconteceu (foi conhecida como Operação Ouro) e antecede a construção do muro de Berlin, que é de 1961, mas o que McEwan explora (metaforicamente) é a reconstrução alemã, e a progressiva aproximação de americanos, ingleses e alemães, à luz do envolvimento afetivo de Leonard (o jovem engenheiro inglês) com uma jovem alemã, Maria. McEwan constrasta o comportamento de Leonard com o de um espião americano, responsável pela segurança do projeto, Bob Glass. Berlin ainda é uma cidade de escombros e vergonha; as relações entre os indivíduos sempre tensas e artificiais; a comunicação, engessada pela memória dos anos terríveis da grande guerra, inviável e codificada. Como sempre nos livros de McEwan não há enfeites ou concessões, seus personagens são vívidos, experimentando com naturalidade as delícias do sexo e as agruras da dor. Não é o melhor McEwan que já li, mas ainda assim é um bom livro. [início 01/05/2012 - fim 04/05/2012]
"O inocente", Ian McEwan, tradução de Claudia Martinelli Gama, Rio de Janeiro: editora Rocco, 1a. edição (1992), brochura 14x21 cm, 258 págs. ISBN: 85-325-0122-2 [edição original: The innocent (Londres: Jonathan Cape) 1990]

quarta-feira, 2 de maio de 2012

o mundo das maçãs

Publicada em 1987, esta pequena edição de contos de John Cheever é muito boa. A seleção deles foi feita por Sérgio Augusto e a tradução por Paulo Henriques Britto. São treze histórias, que originalmente sairam em revistas e jornais, entre 1947 e 1973. Quase todas elas envolvem pessoas da classe média americana, na periferia de grandes cidades, com suas excentricidades ou inaptidão às circunstâncias de suas vidas. Cheever conta (antes ironiza) as pequenas misérias delas e explora quase sempre algum preconceito, problemas de relacionamento, o limiar terrível da depressão, crise ou loucura. Nas histórias ele nunca é redundante, repetitivo, pois ao longo da narrativa, como numa espécie de labirinto, progressivamente acrescenta elementos, ora similares, ora contrastantes, que tornam seus contos realmente especiais. Ele explora também alguma fantasia, que pode sim ser associada a transtornos psicológicos ou outras patologias, mas que funciona como invenção do mundo especial onde habitam seus personagens. Gostei particularmente de "O nadador", "Balada triste", "A quimera" e "Percy". Os demais também são interessantes, só não gostei de "Miscelânia de personagens que não vão aparecer", "Uma visão do mundo" e "O Natal é triste para os pobres". O conto que dá nome ao livro, "O mundo das maçãs", fala de um velho poeta americano radicado na Itália. Apesar do deslocamento geográfico são suas memórias da vida nos Estados Unidos que assombram o livro. Há neste conto uma associação entre a poesia (e a arte em geral) com a auto-destruição, que é bem interessante. Vou procurar mais histórias deste sujeito. [início 26/04/2012 - fim 30/04/2012]
"O mundo das maçãs e outros contos", John Cheever, tradução de Paulo Henriques Britto, São Paulo: Companhia das Letras , 1a. edição (1987), brochura 14x21 cm, 220 págs. ISBN: 85-85095-37-7 [edição original: The stories of John Cheever (New York: Alfred A. Knopf (Random House) 1978]