Medeia (Μήδεια) é uma peça de Eurípides que foi apresentada pela primeira vez no ano 431 AC. A história é terrível e já inspirou muitos autores nesses quase 2.500 anos (boa parte dos mitos gregos já estão tão amalgamados à cultura popular que um sujeito pode até saber algo do que se narra em uma história sem saber das fontes originais). A edição (bilíngue) da editora 34 é impecável. O industrioso Trajano Vieira assina a tradução, um bom posfácio e generosas notas. Um pequeno texto de Otto Maria Carpeaux, que descreve possíveis leituras possíveis do drama, é incluído na edição. Não é uma leitura fácil, mas o texto ainda é capaz de impressionar um sujeito. Medeia é uma princesa/feiticeira que destrói tudo a seu redor ao menos duas vezes. A primeira é por amor, quanto ajuda Jasão e os argonautas na Cólquida (mais ou menos onde hoje é a Geórgia, ex-república soviética). Mas o que é descrito na peça de Eurípides se passa uns dez anos depois dos sucessos da busca de Jasão pelo velocino de ouro (Robert Graves já nos ensinou que este mito deve estar relacionado com pelegos de ovelha que eram utilizados no garimpo de ouro nos rios da região da Cólquida, mas esta é outra história). No texto de Eurípides Jasão é recebido pelo rei de Corinto, repudia seu relacionamento com Medeia e promete se casar com Glauce, a filha do rei Creon. A fúria de uma mulher desprezada nunca pode ser subestimada (principalmente de uma que é sobrinha da feiticeira Circe). Medeia vinga-se da injúria de Jasão matando Glauce, Creon e os dois filhos que teve com ele, fugindo de Corinto e se fixando em Atenas, onde se casa com o rei Egeu. Como em todo mito poderoso a leitura pode gerar muitas interpretações. Medeia não está louca ou transtornada quando mata os filhos. Tudo é premeditado e calculado, como parte de sua vingança. Jasão tenta ser pragmático, político, só vê os aspectos positivos de sua aliança com o rei Creon, até imagina um arranjo onde Medeia continuaria como sua concubina (quando um homo sapiens sapiens se imagina moderno neste início de século XXI eis que um mito qualquer o lembra do quão perene são as vaidades e pulsões humanas). Gostei muito dos personagens secundários, Nutriz (uma ama-de-leite), Pedagogo (o preceptor dos filhos de Medeia) e Coro (que faz a mediação entre o que está fora da peça com o que é descrito nela). Medeia é uma peça sombria, plena de um feminismo militante, incrivelmente adaptável à atualidade. Os gregos sempre tem algo a dizer para um sujeito. Em breve vou experimentar o Agamêmnon, de Ésquilo. Vamos em frente. [início 02/01/2010 - fim 27/01/2010]
"Medeia", Eurípides, tradução de Trajano Vieira, editora 34, 1a. edição (2010), brochura 14x21 cm, 191 págs. ISBN: 978-85-7326-449-4 [edição original: Μήδεια Atenas (Grécia) 431AC]