segunda-feira, 26 de dezembro de 2011

o romancista ingênuo e o sentimental

Eu já tinha decidido a terminar as postagens deste 2011 com o livro anterior, o interessante Donde se guardan los libros, de Jesús Marchamalo, mas li esse pequeno livro de Ohran Pamuk e não consegui esperar até janeiro. "O romancista ingênuo e o sentimental" é resultado da participação de Pamuk nas Norton Lectures, da Harvard University, no semestre letivo de 2009-2010 (já li vários livros saídos dessas conferências, livros de Northrop Frye, Harold Bloom, Italo Calvino e Umberto Eco). Utilizando uma idéia original de Schiller, Pamuk separa os romancistas em dois grupos: aqueles que não se preocupam com os aspectos artificiais da escrita e da leitura dos romances (os "ingênuos") e aqueles que dão muita atenção aos métodos de escrita e à maneira como nossa mente opera quando lemos uma história (os "sentimentais", ou "reflexivos"). Interessante, mas como qualquer classificação binária o argumento parece facilitar o entedimento da complexidade que é o ofício de produzir ficção na forma de romance, entretanto acaba apenas oferecendo mais temas de reflexão que respostas definitivas. São seis capítulos, seis palestras de mais ou menos cinquenta minutos. O texto é bem escrito, didático, sem malabarismos. Pamuk advoga um procedimento de escrita onde o romance pode ser associado à pintura de um grande quadro; compara os romances à museus da língua e dos hábitos; fala da insuficiência inata dos romances, pois eles são idealizações da realidade; fala de um "centro atrator" dos romances; nos ensina que o esforço por ler um grande romance está relacionado a nosso desejo de ser especiais, de nos distinguir dos outros; comenta sobre as diferenças de um escritor europeu ou americano e os escritores da periferia, como ele; tenta transmitir seu otimismo com o futuro do romance, como arte poderosa e seminal. O livro inclui um bom índice remissivo. Leitura divertida para esses dias vagabundos de final de ano. Bueno. Agora é oficial, cousas novas, só em 2012. [início 13/10/2011 - fim 25/12/2011] 
"O romancista ingênuo e o sentimental", Orhan Pamuk, tradução de Hildegard Feist, São Paulo: editora Companhia das Letras (1a. edição) 2011, brochura 14x21, 146 págs. ISBN: 978-85-359-1984-4 [edição original: Saf ve Düşünceli Romancı (İstanbul: İletişim Yayınları) 2011]
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Balanço final [26.12.2011]
Este não foi um ano tão complicado e triste quanto o anterior, mas ainda assim tive uma boa cota de aborrecimentos. Alegrias também, claro, não posso ser tão casmurro e pessimista: doña Natália vai começar o curso superior, doña Helga está bem animada com seus projetos, o povo de São Paulo segue forte e unido. Nunca a literatura foi tão fundamental para encontrar algum descanso da loucura. Li realmente um bocado de coisas boas. O melhor livro ano certamente é “Los enamoramientos”, do Javier Marías. Li várias coisas espetaculares dele, especialmente análises do cotidiano espanhol que me inspiraram e confortaram. Voltei ao Proust, após tantos anos, e acho que termino a releitura do ciclo todo antes do meu aniversário, em março, como havia planejado. Li vários livros do Enrique Vila-Matas (bons, mas que sabem ser irregulares), W.G. Sebald, Jim Harrison (um dos poucos romancistas americanos que li nesse ano, preciso corrigir isso no futuro). Não consegui arrumar tempo para reler o Cervantes, mas li alguns gregos, uns espanhóis que não conhecia (Cercas, Pitol), alguma mitologia (Graves), mais poesia (Pound, Szymborska, Britto, Tavares, Coleridge), mais literatura portuguesa e mais literatura brasileira (nisso fui incentivado por sujeitos como o Marcelo Sahea, o Hugo Crema e a Luciana Thomé, grande czarina do gauchão de literatura - que arbitrei). Foi o ano em que don Caetano Galindo esteve no Bloomsday, deixando-nos sua nova tradução do Ulysses de presente (que em 2012 será lançada com festa). Como no ano anterior, li muitos livros em espanhol (31% do total em 2011). Cometi a imprudência de ler muitos romances policiais em sequência, intoxicando-me de Simenon. Paciência. Ao final foram 147 livros (37 romances, 27 de crônicas ou ensaios, 22 de contos, 15 romances policiais, 10 livros com perfis e relatos, 9 de poesia, 7 histórias em quadrinhos, cartuns ou mangás, 7 novelas, 6 de gastronomia, 3 livros infanto-juvenis, 2 de aforismos, 1 de cartas e 1 de fotografias. Desde que comecei esses registros, em 2007, já são quase 600 títulos. Quase tudo lido com muita alegria. Estou bem satisfeito. Vamos a ver o que 2012 nos reserva. Vale.

3 comentários:

vera maria disse...

Como já observei, sua marca de leituras é um escândalo de alta ::) Que haja mais bons livros jo porvir.
abraço,
clara

Athos Ronaldo Miralha da Cunha disse...

Grande mestre Guina.
Me considero um bom leitor, mas me sinto um Santos diante desse Barcelona de leitura. Que 2012 nos reserve novas e boas leituras... e discussões no café.

HugoCrema disse...

já elogiei a constância de leitura em outro momento. isso assentado, meu elogio pr'arrematar o ano vai pr'um certo fio condutor que perpassa as leituras. um fio condutor que se afasta dos movimentos publicitários e se consolida nas revisitas a autores queridos e na defesa de um patrimônio privado de leituras. o elogio vai pra isso, pr'essa filiação ao mesmo tempo desinteressada (das editoras) e conscienciosa (das obras).

agradeço ainda as conversas intermináveis, ano que vem vai ser melhor ainda. abraço, camarada.