domingo, 25 de fevereiro de 2007

mundos mágicos

Ainda nas praias vi ste livro nas mãos do filho de um amigo meu. Ele passou uns bons dois dias andando com ele pela praia e acabei perguntando a ele do que se tratava. “Uma história de dragões e cavaleiros” ele me disse. Perguntei se ele conhecia o “Senhor dos Anéis”, mas ele havia visto apenas o filme e que Eragon era muito melhor. De volta a Santa Maria fui a CESMA e descobri que é mesmo um bet-seller e que a legião de fãs sempre cresce. Eu já estava com três ou quatro livros começados: Justine está quase no final, mas é um livro denso, que merece muita concentração; o Resmungos é uma obra de arte e um livro grande demais para eu carregar por aí lendo e os outros eram quase projetos de leitura e não fatos. Resolvi experimentar Eragon e li nas horas mornas deste carnaval. O formato é aquele mesmo que eu imaginava: um tanto das disputas entre anões, elfos, humanos, feiticeiros e heróis que lembra um Senhor dos Anéis sem preocupações antropológicas; um tanto do ciclo do Rei Arthur, com cavaleiros e um passado glorioso a ser resgatado; o bom bem e o nefasto mal terçando espadas e caras mal encaradas pela enésima vez, mas temos um livro de ficção honesto nas mãos. É literatura infanto-juvenil, para um público um tanto mais velho que aqueles entusiastas de Harry Potter e menos perfeccionista que aqueles que entraram no mundo mágico de Tolkien. A trama é bem montada. Você antecipa muito do que vai acontecer. O moçinho que perde um amigo, um cara mal encarado que vai se revelar o mal caráter de plantão são passos óbivos nestas jornadas do herói, mas o livro não é nunca maçante ou pretencioso. Lê-se sem maiores compromissos, mas se renova um tanto aquela nossa veia otimista (ou seria escapista) tão obstruída destes tempos bicudos. Pode comprar e dar de presente para seu sobrinho pré-adolescente que ele não vai ficar brabo não.
"Eragon", Christopher Paolini, tradução de Nelson Rodrigues Pereira Filho, editora Rocco, 1a. edição (2005) ISBN: 85-325-1848-6

sexta-feira, 16 de fevereiro de 2007

o melhor do bom humor

Será que esta coleção de cartuns, originalmente publicados na década de 1980 no Pasquim, pode ser considerado um "livro" lido em 2007? Como registro bem humorado - caústico seria o termo mais adequado - de uma época difícil da história do Brasil trata-se de um texto excelente. Ivan Lessa é um jornalista já há muitos anos radicados em Londres que marcou época nas redações cariocas pelo estilo cortante e capacidade de síntese. É reputado a ele o complemento "O último que sair apague a luz" em resposta ao slogan da didatura militar "Brasil, ame-o ou deixe-o". Por conta desta e de muitas outras ele não era exatamente o jornalista que uma tirania gosta de ver sentado na frente de uma máquina de escrever. Ele sempre foi reconhecido por ter cunhado frases hilariantes e definitivas sobre temas difíceis, sobre temas que em geral socíólogos, mas cheios de dedos, usariam vários volumes para destrinchar. Neste livro temos as muitas vinhetas, cartuns e ilustrações produzidas em dupla por Ivan Lessa, Redi (cartunista carioca) e alguns outros cartunistas tão ferinos quanto ele (Jaguar, Millor, Henfil). O texto sempre enxuto de Lessa prende a atenção até hoje. Os temas mudaram um tanto, mas os limites da pobreza e riqueza, o poder imenso dos Estados Unidos nas coisas do mundo, a falta de caráter dos políticos brazucas, a hipocrisia e ignorância burguesas (alguém ainda sabe o quê era mesmo um burguês), a indolência e letargia do brasileiro comum estão ali, em preto e branco, lembrando-nos como é difícil transformar o Brasil. Aliás há uma frase ali que resume esta estranheza que sentimos ao observarmos que a política e a economia brasileira estão sempre presas a erros do passado e ao mesmo tempo engendrando erros para o futuro: "De quinze em quinze anos o Brasil esqueçe o que aconteceu nos quinze anos anteriores". Incrível e verdadeiro. A generosa amostra do material contido em Gip!Gip! revela um tanto de onde saiu o melhor do humorismo brasileiro contemporâneo. Muito agradável de se ler.
Gip!Gip!Nheco!Nheco!, Ivan Lessa (Redi e outros), editora Desiderata, 1a. edição (2006) ISBN: 85-9907-021-5

quinta-feira, 15 de fevereiro de 2007

san dramas, Jeeves

Mais um Wodehouse. Mais um agradável par de dias com um belo livro nas mãos. Terminei "Sem dramas, Jeeves" relaxado e de bom humor como sempre, mas saber que os livros da dupla Wooster e Jeeves traduzidos para o português já estão todos lidos rouba um tanto minha satisfação. Vou ter de encomendar um pocket com mais histórias deles para uma emergência, quando os dissabores da rotina estiverem a me incomodar. "Sem dramas, Jeeves" é um tanto mais complexo. Há muitas referências a passagens e personagens dos outros dois livros que já resenhei aqui. As muitas atribulações pelas quais passa Wooster e a elegância com que Jeeves, como por mágica, as resolve, seguem o ritmo de sempre. Jeeves é mais que um mordono, na verdade ele é um cavalheiro de um cavalheiro, alguém que nas emergências sabe "mordomar", mas certamente alguém com quem passaríamos longo tempo conversando sobre qualquer assunto sem nos maçar. Difícil não se encantar com as muitas ironias e o sarcasmo sutil com o qual Wodehouse recheou o livro. Excelente literatura de entreterimento, mas já está na hora de enfrentarmos um livro que cobre mais esforço e concentração. Vou começar um projeto novo: "o quarteto de alexandria", muitas vezes adiado. Vamos a ver se Lawrence Durrell me envisga.
"Sem dramas, Jeeves", P.G. Wodehouse, tradução de Beatriz Sidou, editora Globo, 1a. edição (2004) ISBN: 85-250-3906-3

terça-feira, 13 de fevereiro de 2007

nas fronteiras da ficção


Vamos a ver. Meu manual de boas maneiras diz que cortesias devem ser respondidas com cortesias, mas deve haver um razoável equilíbrio no processo de reciprocidade às cortesias. Pois bem. Recebi dos gentis e industriosos editores da santamariense Arquétipos Tríade Editorial, um exemplar do Projeto AIC – Metamorfose, de Lion Goya. E recebi em um dia feliz, de muita conversa boa e troca de experiências. Eu já conhecia o livro pelo comentário dos amigos. O projeto editorial é ambicioso, agressivo, ousado mesmo. Os banners e o material de apoio distribuídos quando do lançamento do livro no final do ano passado deixaram todos os colegas do conselho da CESMA e das reuniões do café impressionados. Saber que a editora é santamariense torna o projeto ainda mais louvável. É este o tipo de coisa que se espera dos jovens empresarios santamarienses: que apostem mesmo seu dinheiro em projetos sérios e inovadores, sem apoio do fácil dinheiro público. Nas últimas semanas tive minha cota de pesada de leitura: O livro do Magnoli me prendeu um bocado, o descanso com os poemas da Emily Dickinson foi só um aperitivo para os altos cumes do "Menina Má" doVargas Llosa, e o segundo Jeeves do ano, foi pura e fugaz diversão. Mas sobre tudo isto eu já escrevi no blog antes e não há mais nada a acrescentar, pois o tom do blog é fazer mesmo apenas curtas resenhasdas minhas experiências com os livros que vou lendo neste ano quente e agitado. Por conta desta cota de leitura o livro do Goya foi ficandopara trás, mas entre um Jeeves e outro cismei de começá-lo. Começei na quinta-feira mesmo, dia 08, quando terminei o segundo Jeeves e estou aqui a escrever na segunda, dia 12, quando vou começar um novo Jeeves.
Projeto AIC – Metamorfose é um livro fácil de ler e bem estruturado, mas com notas e guias de leitura que expõem toda a ossatura doprojeto: os objetivos, o processo editorial, as preocupações estéticasdo autor e o que é definido pelos editores e pelo autor por "projeto psicodinâmico do livro". Acontece que eu acho que há muitasimprecisões e mesmo afirmações no livro que não podem ser simplesmente relevadas. Como o livro é de ficção e deve ser lido como tal, toda liberdade criativa e narrativa é possível e todo compromisso com ofactual e o mundo real pode ser esquecido, em nome da infinita capacidade humana de criar novos mundos. Mas como posso ler um livroque registra tantas vezes argumentos pseudo-científicos sem sair com meu taco de beisebol mental pronto para o revide? Os apêndices nãoficcionais do livro não podem deixariam dúvida, por exemplo, de que nunca houve comprovação científica da existência de vida extraterrestre; de que formações circulares em plantações são obra de nós Homo Sapiens Sapiens e não de alienígenas; de que não há a menor evidência científica da existência de cura para HIV; de que não há comprovação científica que o HIV é obra de cientistas; de que mediunidade é uma impossibilidade e arma de charlatães; de que animais não ficaram sabendo "antes" do tsunami que atingiu a Ásia em 2005; de que a Igreja não é uma necessidade inata do homem pelo fato dele conviver com mitos religiosos há 100.000 anos e por aí, neste tom, eu poderia seguir por longos parágrafos, citando vários temas que são totalmente pseudo-científicos, inaceitáveis mesmo. Isto me faz acreditar que Projeto AIC – Metamorfose seria um livro pelo qual teria menos reservas caso todos os "extras", os "apêndices", que ganham nome variados como notas, glossário, curiosidades, entrelinhas, e, principalmente, a sessão inteira chamada "bastidores do projeto", fossem simplesmente eliminados. Mas isto seria questionar o próprio projeto editorial que viabilizou o livro e sua divulgação. Acredito mesmo que se cada um dos leitores tivesse a chance de construir por si mesmo algum entendimento do livro este último se salvaria como uma obra de ficção válida, já que os apêndices parecem apenas forçar o leitor a acreditar em bobagens olímpicas e inverdades científicas que fazem qualquer pessoa familiarizadas com estes temas a se afastar do livro com raiva (como dizia a Dorothy Parker que devemos fazer com alguns livros). Bom divertimento mas, por favor, não termine este livro acreditando em tolices, aprecie sim o enredo, que é mesmo repleto de conexões originais entre temas distintos, alguns muito conhecidos, mas muitos outros genuínos e novos, garimpados de forma ousada pelo autor. É isto.
Projeto AIC - Metamorfose, Lion Goya, editora Arquétipos TRED, 1a. edição (2006) ISBN: 85-60294-00-7

quinta-feira, 8 de fevereiro de 2007

Jeeves again


Depois do bom momento lendo "Obrigado, Jeeves" encomendei à CESMA os dois outros livros do Wodehouse traduzidos para o português. Os livros chegaram, passei lá para comprá-los e começei a ler "Então Tá, Jeeves" ontem mesmo, ainda na subida da Astrogildo de Azevedo e terminei-o ainda a pouco, durante as abluções matinais. O ritmo é o mesmo, mas a série de confusões, trocadilhos e situações são bem diferentes. Wodehouse tinha mesmo muita imaginação e nada parece demasiadamente artificial no livro. Os seres humanos são sempre mais surpreendentes que qualquer personagem de ficção, daí a verossimelhança. Desta vez o tresloucado Bertie Wooster parece ser senhor da situação e tenta resolver sozinho todos os problemas (provocados em sua maioria por ele mesmo). De fato ele proíbe Jeeves de ajudá-lo, mas apenas quando este último se apresenta, lá pelo último quarto do livro, é que tudo se resolve, como por mágica, já que tudo feito por Jeeves parece mesmo fácil e natural. Podemos viver uma vida plena sem livros como este, mas são tão divertidos e bem escritos (além de nem de longe subestimarem a inteligência do leitor) que é fácil encaixá-los em um programa de leituras de férias. Antes de voltar a algum texto mais denso e difícil passarei ao próximo Wodehouse e vou mesmo tentar conseguir um exemplar em inglês para experimentar se o ritmo dos jogos mentais, piadas, sarcasmos e ironias podem ser entendidos por mim no original. Divertido.
"Então Tá, Jeeves", P.G. Wodehouse, tradução de Beth Vieira, editora Globo, 1a. edição (2004) ISBN: 85-250-3865-2

terça-feira, 6 de fevereiro de 2007

Amores e desamores

Há poucas coisas mais instigantes que uma boa ficção. Deve ser por isto que sempre prestamos atenção nos velhinhos contadores de histórias ou naqueles colegas que sabem prender-nos com um assunto. Depois dos ensaios e de alguma poesia que li estava na hora de voltar à ficção. O povo do café já havia lido este livro e todos fizeram elogios: "belos personagens", "bela trama", "surpreendente", "o primeiro capítulo matou à pau!", e por aí seguiam as análises. Demorei para começar. O livro ficou todo o dezembro e janeiro se escondendo e dando lugar aos outros, mas agora no início de fevereiro chegou sua vez. Mário Vargas Llosa conta a história de um relacionamento conturbado que se passa em diferentes cidades ao longo da vida de um sujeito. São sete capítulos, em cada um deles uma cidade, um elenco de personagens interessantes e um esquema: há uma cortina de fumaça, um recorte mais ou menos factual de um período da história da segunda metade do século passado; um encontro surpreendente entre o sujeito e a senhora de sua paixão; algum desenvolvimento e enfim o desfecho, sempre desfavorável para o narrador, afinal trata-se de homem apaixonado que não controla nada em seu relacionamento, mas sim pontua toda sua vida nele. "O homem só é um enigma para si mesmo", já disse com propriedade algum sábio. Vargas Llosa é um mestre e não esconde seus truques. Mesmo sabendo da forma literária e dos artifícios lemos o livro com prazer. Há um excesso de variações nos temas, mas ele está descrevendo mais de quarenta anos de história peruana, de história européia, do circuito de traduções internacionais, do tráfico de afrodisíacos africanos para a ásia, do surgimento da aids, da ievitabilidade do câncer, do repetitivo exílio latinoamericano e principalmente está escrevendo sobre o amor, o mais antigo dos temas literários. Na verdade a menina má deve ser mesmo o próprio Peru, desafortunado país. São muitos os assuntos, mas não se pode falar mal de um livro apenas por seus excessos. Fiquei com vontade de ler outras coisas do Vargas Llosa para verificar se ele é mesmo apenas escravo de seu talento ou de fato um criador hiper imaginativo. Preciso conferir isto. "Travessuras da Menina Má" deixa-se ler com prazer, quase como um livro de contos bem amarrados, mas faltou alguma coisa neste livro para me fazer recomendá-lo sem restrições.
"Travessuras da menina má", Mário Vargas Llosa, tradução de Ari Roitman e Paulina Wacht, editora Alfaguara, 1a. edição (2006) ISBN: 85-7302-808-4