sábado, 26 de junho de 2010

mano de sombra

Consegui este livro graças aos esforços do Miguel, paciente mercador da Calle Corrientes. A edição é muito boa, parte de uma coleção da Alfaguara chamada "textos de escritor", e reune textos publicados originalmente em jornais em 1995 e 1996. São 104 artigos, um para cada domingo destes dois anos. Gosto muito do Javier Marías escritor de ficção (já li seus romances e boa parte de seus livros de contos), mas suas crônicas e seus ensaios formam um conjunto que não me canso de recomendar. No caso deste conjunto de crônicas o arrebatamento continua. Não há nada que me pareça datado, nenhum texto que me parecesse irrelevante ou dispensável. Não conheço nenhum outro escritor e/ou jornalista que mantenha tal qualidade em textos que a princípio são produzidos para consumo rápido e descompromissado em jornais. Nestes textos Javier Marías demonstra ser um bom observador, é sempre incisivo e opinativo, mas também bem humorado e irônico, didático quando é possível sê-lo. As crônicas parecem contadas por ele em um encontro privado, em uma conversa compartida de final da tarde, no qual acompanhamos seu raciocínio, sua forma de pensar os temas. Não há como sintetizar este belo livro em poucas frases, mas cito aqui uma: " Dizia Ortega y Gasset que os imbecis são muito mais perigosos que os homens maus, pois estes descansam de sua maldade, enquanto que aqueles nunca são capazes de abandonar sua imbecilidade. Supounho que é por isto que não basta rir dos sintomas grotescos de nosso tempo. Suponho que é por isto que não devemos nos permitir desdenhá-los e nos omitir, pois os imbecis são perigosos e os imbecis são numerosos." Haverá descrição mais perfeita de nosso país, de nosso povo, de nosso patético governo, hoje mesmo, mais de quinze anos após este texto ter sido escrito? [início 27/05/2010 - fim 19/06/2010]
"Mano de sombra", Javier Marías, editora Alfaguara, 2a. edição (1997), capa-dura 13,5x22,5 cm, 333 págs. ISBN: 84-204-8357-5

terça-feira, 22 de junho de 2010

a chave da berlinda

Agora em maio/junho estive em Belém. Foi uma experiência muito boa. Apesar de estar a trabalho e com compromissos bem amarrados tive a chance de andar um tanto pela cidade e sentir o calor e acolhimento das gentes. Quando é mesmo que um sujeito pode dizer que conhece uma cidade, um país, se as vezes não conhecemos direito nem mesmo um quarteirão de nosso bairro? Bueno. Ganhei dois livros dos amigos que fiz por lá. Um o poderoso "Belém do Grão Pará", do Dalcídio Jurandir, que ainda vou terminar e resenhar aqui. O outro foi este pequeno "A chave da berlinda", que li ainda na longa viagem de avião para casa. Trata-se de uma novela curta centrada nos sucessos de um "Círio de Nazaré", a grande festa religiosa que acontece por lá. Três irmãs frenéticas provocam muita confusão em casa nos dias que antecedem o Círio. Elas tem uma pequena irmã caçula, de pouco mais de um ano, que ainda não participa de suas fantasias e jogos, mas de alguma forma as estimula. As meninas imaginavam ter recebidos presentes de uma tia distante, mas descobrem algo decepcionadas que se tratavam apenas de livros (nem sempre as crianças sabem da fonte dos verdadeiros tesouros). Seus pais estão atarefados com a preparação da festa do Círio e deixam as três meio soltas na cidade. Uma tarde a família sai para comer fora e em um restaurante encontram um amigo. Este conta uma longa história envolvendo a morte e o enterro de um contraparente deles todos, que mobilizou toda a família e provocou muita confusão, exatamente em uma outra festa do Círio de Nazaré. Esta história é como um conto enxertado na primeira narrativa, mas que acaba se encaixando bem, de forma que não esquecemos das três meninas. Com o fim do discurso do amigo a família volta para casa, bem cansados. No dia seguinte mais sucessos: as meninas decidem ir a procissão do Círio, apesar dos perigos devidos ao amontoado de gentes. Aborrecidas com a longa espera vagam pelo meio do povo, encontram uma chave e guardam para entregar aos pais, sem saber que se tratava da chave da berlinda, o local onde a santa que abre a procissão do Círio fica guardada. Sem a chave não há santa, não há bispo, não há procissão. O atraso é inevitável. É uma história divertida, em um clima é de contos de fadas, que talvez funcione melhor para o público infanto-juvenil, mas que adultos de todas as idades também podem gostar. Li e aprendi um bocado. Vamos em frente. [início - fim 19/05/2010]
"A chave da berlinda", João Carlos Pereira, editora Amazônia Livros e Vídeos, 1a. edição (2003), brochura 14x21 cm, 127 págs., sem ISBN.

sexta-feira, 18 de junho de 2010

pianista no bordel

Vi uma entrevista com Juan Luis Cebrián, fiquei entusiasmado com seus argumentos e decidi comprar este livro. Ele foi o primeiro editor do jornal espanhol El País. Neste livro estão incluídos dez ensaios que na verdade são bem variados nos temas e nas abordagens que oferecem. Alguns tem um viés mais histórico, onde Cebrián conta a origem dos jornais como hoje os entendemos, até histórias da transição da ditadura franquista para a democracia espanhola de nossos dias (lendo-o, como não identificar o desprezo pela democracia nos governos José Maria Aznar - primeiro ministro espanhol entre 1996 e 2003 - com as tentativas patéticas do atual governo brasileiro de controlar - e comprar, principalmente - corações e mentes através da mídia.) Um dos ensaios fala de bons escritores que também foram bons jornalistas, do jornalismo como um gênero literário específico. Noutros o que se discute é o valor absoluto da democracia, de como jornalismo e democracia se relacionam. Ele tenta entender qual será o futuro do jornalismo como ferramenta de informação, pensa sobre o papel dos blogs, das redes sociais e de outros instrumentos na sociedade digital em que vivemos. São boas as suas reflexões. Agora passo a dividir minhas próprias opiniões, provocadas por esta leitura. Hegel escreveu que "o jornal é a oração matinal do homem civilizado". Mas ele era um homem do início do século XIX, de uma sociedade industrial. O homem contemporâneo, desta ainda incipiente sociedade digital (logo veremos), não exatamente lê jornais, mas absorve informações de uma miríade de formas. As pessoas discutem pouco a razão mesma das coisas, mas sim repetem informações e dados como forma de substituir o entendimento do mundo. O suporte da informação ligeira do dia-a-dia não será o papel por muito mais tempo, mas isto não é um problema. São mesmo bons temas para discussão, mas a meu juízo acho que estas discussões devem ser conceituais, abstratas, não aferradas a estudos de caso do mundo real, sempre dominado pela política, pela economia, pela espetacularização da cultura. Acho engraçado algumas pessoas defenderem, por exemplo, a obrigação do diploma de jornalismo para o exercício da escrita (que no limite me obrigaria a contratar um jornalista para manter um blog como este) e, ao mesmo tempo, defenderem o papel dos blogs e das redes sociais para a democracia. Cebrián nos lembra que a independência do jornalismo é mesmo uma mitologia, nada mais. Em um mundo onde a informação é construída por muitos, nem todos que escrevem, que opinam, serão jornalistas (mas deve ser difícil para um jornalista aceitar isto, como foi para um artesão aceitar uma máquina de tecer, duzentos anos atrás). O título do livro é uma piada espanhola, que talvez funcione no Brasil, mas com os sinais trocados: "Não digam a minha mãe que sou jornalista, prefiro que ela continue pensando que toco piano em um bordel." É curioso como isto é o oposto do papel glamurizado nas escolas de jornalismo. Grande sujeito este Cebrián. [início 04/06/2010 - fim 17/06/2010]
"O pianista no bordel", Juan Luis Cebrián, tradução de Eliana Aguiar, editora Objetiva, 1a. edição (2009), brochura 14x21 cm, 166 págs. ISBN: 978-85-390-0045-6

quarta-feira, 16 de junho de 2010

arquimedes

Bueno. Hoje é o dia de Bloom, um Bloomsday. Logo mais vamos comemorar, discutir o Ulysses, falar da Irlanda, de literatura, de James Joyce, como fazemos por aqui desde 1994. No meio dos festejos vamos lançar um livro, "Arquimedes", publicado pela editora Movimento. Mas eu, que sou o menor dos anões desta paróquia, talvez não devesse fazer uma resenha de um livro, um romance, do qual participei do começo ao fim. Alertado já de meu eventual cabotinismo é o leitor quem decidirá se vale a pena seguir. É tempo. "Arquimedes" é um romance coletivo. O Athos Cunha teve a idéia original: emular um Bloomsday em Santa Maria, registrando um tanto da cidade no dia em que a CESMA foi fundada. Por acaso e sorte este dia é o mesmo 16 de junho que Joyce utilizou para contar a história do Ulysses. Feliz coincidência. Athos criou o personagem, deu nome e sobrenome a ele e apresentou-o com uma história algo crível. Não exatamente seguindo os passos de Leopold Bloom a idéia era usar este personagem para lembrar em prosa a Santa Maria de 1978. Para navegar por ela como Bloom fez em Dublin seu personagem funde aspectos tanto de Bloom quanto de Stephen Dedalus. Arquimedes, um professor do nível médio, toma café da manhã com sua mulher, sai para dar aulas, lê um jornal, reflete sobre os causos da política e sobre o dia que tem pela frente. A partir daí o texto seguiu para os demais autores. Cada um por seu turno fez uma contribuição que toma mais ou menos duas horas do dia de Arquimedes. Ao Athos seguiu-se o Candinho, depois Tânia, Raul, Orlando, Zanatta e eu. Pedro Santos arremata o livro. Cada um contribuiu com seu estilo, vontade e idiosincrasias. Por vezes a história seguiu caminhos distintos daqueles trilhados por Bloom em 1904, noutros o enredo se inspirou mesmo naquilo que se encontra nas páginas do Ulysses. De qualquer forma a personagem principal é mesmo a cidade. Ambígua, à Santa Maria talvez possamos associar o mesmo epiteto que Joyce utilizava para se referir à Dublin (sua "Dear Dirty Dublin"), mas é o leitor familiarizado ou curioso com ela que deverá verificar o quão verossímel Santa Maria se apresenta no livro. Vamos a ver se ele se defende sozinho. Ah! Happy Bloomsday, to you and all. [início - fim 16/06/2010]
(http://www.livrariacultura.com.br/scripts/cultura/resenha/resenha.asp?nitem=22148609&sid=114230128125124801012953&k5=7F5C7E5&uid=)
"Arquimedes", Athos Ronaldo Miralha da Cunha, Antônio Cândido de Azambuja Ribeiro, Tânio Lopes, Raul Giovani Cezar Maxwell, Orlando Fonseca, Humberto Gabbi Zanatta, Aguinaldo Medici Severino, Pedro Brum Santos, editora Movimento, 1a. edição (2010), brochura 14x21 cm, 102 págs. ISBN: 978-85-7196-159-4

segunda-feira, 14 de junho de 2010

dublinesca

Soube de "Dublinesca" na revista "Qué Leer", a melhor referência que conheço sobre o mercado de livros publicados na Espanha (um dos maiores mercados editoriais do mundo, nunca é demais lembrar). Quando soube que o livro gravitava em torno de um Bloomsday fiquei entusiasmado e encomendei-o no mesmo dia. O livro chegou rápido e interrompi, claro, tudo o que já havia começado. Li segurando o ritmo, único jeito de aproveitar um tanto mais o bom humor, as boas idéias e o bom texto de Enrique Vila-Matas. Que livro divertido! Um editor quase falido mais que quase aposentado, de seus sessenta anos, deprimido, preso em uma rotina de compromissos e aparências tem uma espécie de epifania. Ele pensa em viajar a Dublin (nas suas palavras terra literária por excelência, cidade que James Joyce retratou no romance-síntese Ulysses e que representaria o melhor que a literatura pode alcançar) para organizar uma espécie de funeral da "era de Gutenberg", réquiem do mundo do livro como conhecemos. Para ele os livros impressos serão definitamente substituídos pelos digitais. O leitor de livros impressos, já vulgarizado pela tirania dos best-sellers e livros de auto-ajuda, será substituído pelo leitor raso e veloz do google e do wikipedia, quedará prisioneiro do vasto depósito de informações e estímulos que nos oferece a internet. O futuro do livro é uma ilusão. Com este mote Vila-Matas constrói um romance que é movimentado, instigante, provocador e que deixa o leitor refletir por si próprio. Há muito material metalinguístico, intertextual, muitas citações eruditas, longos aportes de reflexões sobre pintura, cinema e literatura, muito da cultura pop também, enfim, muitos truques literários mais ou menos conhecidos, mas nada disto torna o texto maçante ou convencional de ler. O editor, Samuel Riba, como o Leopold Bloom do Ulysses, algo judeu e deslocado em seu ambiente catalão, consegue convencer um pequeno bando de amigos a acompanhá-lo em sua peregrinação à Dublin. Estes fiéis pouco sabem das outras obsessões que acompanham o projeto de Riba: o fato dele nunca ter encontrado um escritor genial que pudesse editar; a própria idéia do funeral do livro impresso; de saber se é New York ou Dublin a capital da solidão da velha literatura; do processo de purgar sua ruína como homem das letras. Mas Riba convence estes três amigos escritores a acompanhá-lo. Chegando a Dublin eles reproduzem parte das andanças de Bloom, principalmente aquelas relacionadas ao capítulo seis do Ulysses, onde o personagem atende ao funeral de Paddy Dignam acompanhado também por três sujeitos. Também como Bloom, Riba, antigo bebedor, agora abstêmio, não participa de todas as aventuras literárias e etílicas relacionadas ao Bloomsday. A este grupo fundador outros personagem se juntam, cada um à seu modo correspondente a um dos personagens do romance de Joyce. São passagem memoráveis, tanto pela invenção, quanto pela capacidade de iluminar as passagens originais do livro. Há coisas curiosas no livro que de início incomodam, estranham o leitor familiarizado com o Ulysses, mas que mais tarde se resolvem muito bem. Por exemplo, chove à beça na Barcelona, mas só quando chegamos a cinzenta mas quase primaveril Dublin, entendemos que tudo pode ser fruto da imaginação de um fantasma, de alguém que está já ao caminho do Hades sombrio e que divaga com sua história e seus projetos (quase todos baldados). "Dublinesca" é um livro que permite muitas leituras, que localiza um fim para a alta literatura, mas que aponta para caminhos que os demais escritores (e os demais leitores) possam trilhar. O livro, tripartido, chega a um final que a exemplo do Finnegans Wake, também de Joyce, permite um recomeço, cíclico como Vico já nos ensinou. A boa literatura sempre sobrevive. Por fim, curiosamente soube que de fato Vila-Matas participou de seu primeiro Bloomsday em 2008 com três amigos espanhóis e que lá fundou uma ordem literária, "El ordem del Finnegans", cujos cavaleiros se comprometem a atender todos os Bloomsday futuros com disciplina e vigor. Que grande sacada. Será que este projeto só sobreviverá enquanto for necessário promover "Dublinesca"? Logo veremos... . [início 01/06/2010 - fim 04/06/2010]
"Dublinesca", Enrique Vila-Matas, editora Seix-Barral, 1a. edição (2010), brochura 13,5x23 cm, 328 págs. ISBN: 978-84-322-1278-9

terça-feira, 8 de junho de 2010

a humilhação

Não é o melhor Philip Roth que já li, ficando muito a dever se comparado as potências de "O teatro de Sabbath" ou "Complexo de Portnoy" mas um livro dele sempre vale o tempo que investimos. O enredo de "A humilhação" poderia ser transcrito para uso no palco sem muitos ajustes. Não por isto, mas o resultado não me agradou muito. A estrutura padrão de peça em três atos é óbvia. Mas para mim o terceiro ato (a terceira - e final - parte do livro) é previsível demais, só sustentada pela prosa sempre inventiva, deliciosa mesmo, de Roth. Um ator de sessenta anos sofre uma crise que o incapacita para o palco e passa uma temporada em uma clínica psiquiátrica (este é o resumo do primeiro ato, a apresentação do problema). Ele se envolve com uma moça, filha de amigos com quem não mantêm contato há anos, gente de teatro também, mas que não alcançaram seu sucesso. A vida sexual dele com a moça é complexa. Ela é uma ave de rapina sexual e a espiral do sexo entre eles passa por estágios rapidamente, estágios de experimentação, troca de papéis, perversões. Ele tem encontros breves com a antiga namorada da moça e com os pais dela, cada um a seu turno (este é o resumo do segundo ato, a complicação do problema). O terceiro ato deixo à curiosidade do leitor, mas acho difícil não se imaginar os finais possíveis da trama ainda no meio do segundo ato. Entretanto, gostei das descrições de como um sujeito sustenta uma conversa mas pensa algo totalmente oposto do que assente, que verbaliza ao interlocutor (são breves, mas intensos, e lembram os bons trechos de fluxo de consciência utilizados por Joyce). Curioso também como Roth consegue mostrar um sujeito que interpreta sua vida real como se estivesse em um palco, em um mundo de aparências, de ficção (claro, podemos pensar que todo ator alcança fazer isto, mas o efeito no texto, o efeito literário é realmente bom). [início 02/06/2010 - fim 03/06/2010]
"A humilhação", Philip Roth, tradução de Paulo Henriques Britto, editora Companhia das letras, 1a. edição (2010), brochura 14x21 cm, 102 págs. ISBN: 978-85-359-1658-4

segunda-feira, 7 de junho de 2010

99 poemas

Foi o Marcelo Sahea, poeta de consistentes experimentos linguísticos, visuais e sonoros, quem fez propaganda deste livro de poemas do poderoso catalão Joan Brossa, artista de múltiplos talentos. Encomendei e fui lendo aos poucos, sem método ou disciplina, mas com muito deleite. A edição é belíssima. O tradutor, Ronald Polito, compilou estes 99 poemas de um conjunto de dezessete livros, publicados entre 1950 e 1996. Isto torna este conjunto bastante representativo da produção poética de Brossa. A edição é bilíngue, mas por mais que me empenhe em decifrar o catalão não aproveito de verdade nada da presença dos originais (mas doña Natália me prometeu ler alguns em voz alta, logo veremos). São poemas em versos livres, não metrificados (pena não haver nada nada dos curiosos poemas visuais que tanto contribuiram para a fama de Brossa, mas não se pode ter tudo na vida). Estes poemas falam de coisas simples, do amor e do trabalho, do próprio ofício do poeta, de um cotidiano calmo mas que evoca reflexões fortes. A edição inclui uma bibliografia, um posfácio bastante instrutivo do tradutor e mais uns textos de apresentação que de fato tornam este um precioso livro. Abrossas, como escreve o Sahea! [início 21/04/2010 - fim 01/06/2010]
"99 poemas", Joan Brossa, tradução de Ronald Polito, editora Annablume (selo Demônio Negro), 1a. edição (2009), capa-dura 16x23 cm, 193 págs. ISBN: 978-85-7419-994-8

sábado, 5 de junho de 2010

paulo francis

Meu pai e eu éramos leitores sistemáticos de Paulo Francis. O velho Guina usava suas anotações e rabiscos nos textos do jornal, principalmente os dos grandes jornalistas (Francis, Claudio Abramo, Clóvis Rossi, Jânio de Freitas), para me fazer sugestões ou alertar sobre algo. Estas anotações sempre geravam boas conversas (e algumas brigas), principalmente quando não concordávamos com algo (geralmente estapafúrdio ou inconsequente) escrito por Francis. Pois neste pequeno livro Paulo Eduardo Nogueira conta os fatos mais importantes da vida e da carreira de Paulo Francis. Aqueles que o conheceram através dos artigos em jornais ou nos comentários para a televisão sempre se dividiram em dois grandes grupos: os que concordavam automaticamente com ele, quase venerando suas opiniões, e aqueles que desdenhavam com raiva de sua influência e poder. Não existe mais no Brasil um jornalista que tenha um papel similar ao representado por ele. Talvez Francis fosse mesmo uma dos últimos da geração de grandes jornalistas (e polemistas, como diz o autor deste livro), que povoaram as redações no século XX e geravam discussões como aquelas entre meu pai e eu. Claro, os jornalistas continuam soberbos e arrogantes, mas agora, como os leitores vivem soterrados em um mundo de informações de todos os tipos e fontes, é praticamente impossível serem monopolizados pelo texto e opinião de um único jornalista. Apesar de breve, o autor faz um bom trabalho neste livro, Paulo Francis é descrito objetivamente, com suas virtudes e defeitos (que não eram poucos). As passagens mais controversas de sua vida (a saída da Folha, a dificuldade de terminar sua trilogia, o processo da Petrobrás) são contadas em detalhes. O livro inclui várias fotografias, uma cronologia de sua vida e uma bibliografia de sua obra. Waal! [início 24/05/2010 - fim 26/05/2010]
"Paulo Francis: polemista profissional", Paulo Eduardo Nogueira, editora Imprensa Oficial do Estado de São Paulo, 1a. edição (2010), brochura 13x19 cm, 160 págs. ISBN: 978-85-7060-761-4

sexta-feira, 4 de junho de 2010

a morte de matusalém

Compilados em livro em 1985 "A morte de Matusalém e outros contos" reúne contos que foram publicados originalmente em revistas como New Yorker, Partisan Review, Esquire e Harper´s. São vinte contos de um sujeito de quem nunca é demais louvar as qualidades. Como ele escreve bem. São poucos os escritores que conheço campazes de em curtos parágrafos construirem histórias e personagens que parecem saltar vivos das páginas do livro. As vezes os temas são pesados, terríveis, mas o texto de Singer sempre foca nos aspectos mais humanos, mais universais, mais morais. A noção do tempo nos contos também é uma coisa incrível. Quando o leitor começa a se impacientar com o enredo eis que um personagem toma sua frente e faz a história avançar. E isto acontece as vezes duas ou três vezes mesmo nos contos curtos (quem me alertou para isto foi a Helga, também admiradora do Singer). Ele conta histórias convencionais, do dia-a-dia de homens e mulheres das grandes cidades, e também histórias de fundo mitológico, folclórico, recolhos da memória popular de seu povo. Longe de ser apenas um escritor de textos que deleitam ele é capaz de, através de seu agudo e objetivo senso de observação, denunciar sem piedade os maus comportamentos, as éticas tortas, as hipocrisias ridículas, enfim, tudo do que é condenável no comportamento quase sempre falho do ser humano. Por exemplo, há duas frases neste livro que resume tudo o que está acontecendo com a política no Brasil contemporâneo, neste período pré-eleitoral: "Os políticos veem com naturalidade que alguém se bandeie para o lado mais forte sem aviso prévio. (...) O homo politicus não quer saber de fé genuína nem de intenções verdadeiras; a única coisa que interessa é estar com a panelinha vitoriosa". Triste é ler uma coisa destas e saber que a maioria da população brasileira, analfabeta e venal, sempre vai ter orgulho besta deste tipo de político. Bueno. Nunca é demasiado ler Isaac Singer. Sempre é uma festa ler este sujeito (que escreveu quase toda sua produção em íidiche e ganhou o prêmio Nobel em 1978). O livro inclui um bom glossário dos termos em íidiche que foram mantidos. E tenho ainda um par de livros dele para ler. É tempo! [início 13/05/2010 - fim 21/05/2010]
"A morte de Matusalém e outros contos", Isaac Bashevis Singer, tradução de Alexandre Hubner, editora Companhia das Letras, 1a. edição (2010), brochura 14x21 cm, 237 págs. ISBN: 978-85-359-1617-1

quarta-feira, 2 de junho de 2010

cavalos do amanhecer

Quem fez propaganda deste livro foi o Ronaldo Lippold, também um rato dos livros. Ele me emprestou e li em uns dias de quase inverno, cinzas, como se mostrou ser o adequado. São contos de fronteira, daquele mundo onde os gaúchos mal se sabem brasileiros dos pagos ou uruguaios, castelhanos da gema, ou melhor, sabem, mas não vêem isto como uma separação intrínsica. São contos robustos, retratando um mundo do final do século XIX, tempos de quase guerra civil no Uruguai. Acho que este é o único livro de Mario Arregui (morto em 1985) traduzido para o português. Não sei se os contos pertencem a um único livro (o primeiro, "Noite de São João, sei que é de 1956) ou se foi compilado dentre uma produção literária que se estende por bons trinta anos. A tradução ficou a cargo do Sérgio Faraco. Difícil escolher um dos nove contos para ressaltar, são todos muito parelhos (para usar um termo gaudério). Gostei do "Diego Alonso", onde um sujeito escolhe uma forma limite para provar sua honradez e coragem. Em "A vassoura da bruxa" o leitor também se surpreende como Arregui retrata tão bem o espírito gaúcho, do homem integrado ao ritmo dos campos e das coxilhas. A conversa entre sogra e genro em "A volta de Ranulfo González" é impagável, muito boa mesmo. Neste conto ele registra: "Deus fez o mundo, tomou uns tragos pra festejar e até hoje não curou na borracheira". Incrível, que idéia! Em "Os contrabandistas" sonho e realidade criam uma atmosfera tensa. Há um clima grego nas histórias, como se o gaúcho fosse sim um marinheiro no vasto mar verde destes pagos. Belo livro. Esta dica eu tenho de agradecer ao Lippold. [início 10/05/2010 - fim 19/05/2010]
"Cavalos do amanhecer", Mario Arregui, tradução de Sérgio Faraco, editora LP&M (pocket vol. 346), 1a. edição (2008), brochura 11x18 cm, 138 págs. ISBN: 978-85-254-1291-1

terça-feira, 1 de junho de 2010

el hombre es un gran faisán en el mundo

Quando Herta Müller ganhou o Nobel no ano passado comprei "O compromisso", publicado pela editora Globo, mas acabei não lendo (ficou na fila dos guardados, fazer o quê). Mas como os livros e os autores acabam mesmo nos encontrando cedo ou tarde descobri noutro dia este volume dela, com título curioso e longo: "El hombre es un gran faisán en el mundo". Li em uma viagem curta. É um livro interessante, que se lê quase de um folego só. Apesar de curto, é realmente bem escrito, está repleto de imagens lindíssimas e descrições muito poderosas. Nunca havia lido nada sobre a Romênia, apesar de conhecer um tanto sua terrível história recente. Um país que experimenta uma ditadura brutal como a Romênia só se redime mesmo por acaso. Herta Müller conta uma história envolvendo a minoria alemã de uma região da atual Romênia (ela conta a vida oprimida neste país, uma verdadeira ratoeira). Com o final da segunda guerra mundial esta minoria passa a ser hostilizada e prejudicada economicamente. O sonho de todos eles é conseguir um passaporte que viabilize a emigração para a rica Alemanha, que emergiu pujante poucos anos após a guerra, enquanto a Romênia se afundou na pobreza intrínsica do modelo socialista. Um operador do moinho de uma pequena cidade desta região de minoria alemã vive com sua mulher e filha. A primeira viveu na Rússia comunista as agruras do pós-guerra. A garota tem planos de emigrar e formar uma família (e é ela quem vai conseguir - a alto custo - os passaportes para a família). Há vários personagens interessantes: um prefeito corrupto, um padre venal, um carpinteiro misógino, um peleteiro cruel, um guarda-noturno cansado. Há muitas cenas fortes no livro: uma masturbação, um velório sobre a chuva, a escolha de um presente para a filha, uma caminhada pelas montanhas, a descrição dos hábitos das corujas, a nostalgia da cidade. Apesar do tema ser forte o livro é muito delicado. Se é que ainda existe um tolo neste mundo que ainda se ilude com as experiências cruéis do comunismo, deveria ler este livro antes de voltar a emitir algum juízo besta. Bueno. Gostei muito de ler. Aprendi um tanto. Enfim, preciso ler algo mais desta curiosa autora. [início 13/05/2010 - fim 18/05/2010]
"El hombre es un gran faisán en el mundo", Herta Müller, editora Siruela, 2a. edição (2009), capa-dura 14,5x22,5 cm, 120 págs. ISBN: 978-84-9841-094-5